segunda-feira, 10 de agosto de 2015

AMANHÃ...

Amanhã como se fosse um poema

Com o passar do tempo, a gente aprende a se conhecer melhor.
Olhar mais analítico, menos complacente.
A era Dorian Gray desvaneceu na reflexão dos anos.
Aprendo cada dia a gostar de minhas rugas, de meu cabelo raro e grisalho.
O que sempre mais me amedrontou é a acomodação, o conforto tépido da rotina.
A velhice tem muitas destas armadilhas.
Sem dar por isso, você coloca as chaves sempre no mesmo bolso,
abre a porta da mesma forma,
tira os sapatos com a ponta do pé e joga eles no mesmo canto,
vai direto à geladeira, conta as mesmas piadas.
Nem dá pachorra para olhar o pôr-do-sol a não ser quando tem visitas.
Tenho medo da rotina.
Ladeira suave do declínio mental.
Uma série de pequenos fatores,
finas películas se amontoando sob a água dormente de minha acomodação,
acabaram formando, de repente, uma pedra que surgiu um belo dia do lago tranqüilo.
Reconsiderar a trajetória dos últimos anos.
Olhando para trás, me vi prisioneiro de mi mesmo,
feito estátua de sal.
Olhei, mais atento, à minha volta.
Tudo estava parado, imóvel, petrificado.
Começou a dessecação das relações, dos valores, das prioridades.
Cheguei à constatação de que estava usando atalhos,
neste caso,  com certeza os caminhos mais errados,
a vida sendo uma longa e prazerosa rota, nunca reta,
que se desenrola em meandros e acidentes.
São eles que lhe fazem gente pensante e vibrante.
A partir desta constatação, entendi que, para não me afogar,
tinha que dar um pontapé na mesmice das briguinhas cotidianas
e partir para uma batalha maior.
Minha sobrevivência como ser livre e construtivo.
Desfazer laços que foram se fortalecendo ao longo de trinta e três anos até me asfixiar. 
Não vai ser fácil.
Não quero sair com o peso nocivo das mágoas.
Pelo contrário, pretendo fazer desta mudança um trampolim para novas aventuras. 
Novas construções.
A idéia de mudança me dá um alento próximo à euforia, quase ebriedade.
Como o caracol, levo comigo minha casa, ou pelo menos seu recheio.
Minhas coisas, amontoadas durante mais de meio século, são, senão minha vida,
pelo menos uma grande parte dela.
Acordar em nova cama, abrir a janela sobre nova paisagem,
comprar frutas a outro freguês.
Reaprender caminhos.
Sorrir para novos rostos.
Já arranquei tantas vezes minhas raízes, seja de areias, seja de terras férteis,
que ainda devo ter a receita de como recomeçar.
Recomeçar a renascer.

Dimitri Ganzelevitch                                                         Salvador, 16 de julho de 2009

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