Camargo Corrêa vai devolver R$ 700 milhões desviados dos cofres públicos
Empresa assinou acordo de leniência com MPF comprometendo-se a ressarcir prejuízos a estatais
SÃO PAULO — O Ministério Público Federal (MPF) informou nesta sexta-feira que celebrou com a construtora Camargo Corrêa S.A. acordo de leniência no qual a empreiteira reconheceu a prática de diversos crimes, inclusive cartel, fraude à licitação, corrupção e lavagem de dinheiro. Ainda no acordo, a construtora se comprometeu a devolver R$ 700 milhões a título de ressarcimento por prejuízos causados à sociedade. Esse é o maior valor a ser devolvido por uma empresa acusada de formação de cartel em toda a história do país.
A maior parte desse valor será destinado às empresas públicas que foram prejudicadas pela construtora: Petrobras, Eletronuclear e Eletronorte, de forma parcelada. A empreiteira se obrigou ainda a entregar novas informações e a produzir provas sobre os crimes envolvendo outras 15 empreiteiras que participavam do chamado “clube das 16”. O acordo foi assinado no dia 17 de agosto, mas foi divulgado somente nesta sexta-feira.
Em Belo Monte, a Camargo Corrêa pagou R$ 20 milhões em propinas. Em Angra 3, cujo custo final da obra ficou orçado em R$ 3 bilhões, a construtora ficou de pagar 1% do valor do contrato para políticos ao PMDB, no entanto, segundo Dalton Avancini, a empresa não chegou a pagar as propinas. Avancini e Eduardo Leite fizeram acordo de delação premiada junto à Justiça do Paraná. Os dois foram condenados pelo juiz Sérgio Moro a penas de 15 anos de prisão, mas devido ao acordo, eles não ficarão presos e cumprirão a prisão em regime domiciliar.
Um terceiro executivo da Camargo Corrêa, João Euler, ex-presidente do Conselho de Administração, não fez acordo de delação e foi condenado a 9 anos e 6 meses de prisão. Euler apela em liberdade.
FORMAÇÃO DE CARTEL
Segundo o MPF, as provas apresentadas pela empresa serão utilizadas para demonstrar crimes cometidos por outras empresas, especialmente os crimes de fraude à licitação e cartel, bem como por agentes públicos e operadores ilegais do mercado financeiro. A Camargo Corrêa denunciou que somente nas obras manipuladas da Petrobras, participavam do esquema criminoso, além da construtora, a Andrade Gutierrez, Odebrecht, Mendes Junior, MPE, Promon, Setal, Techint, UTC, OAS, Engevix, Galvão Engenharia, Iesa, Queiroz Galvão, Skanska e GDK. O esquema contou com a participação direta de 35 executivos dessas empresas, que deverão ser responsabilizados criminalmente.
O acordo é complementar ao assinado pelas mesmas partes e o Cade (Conselho de Desenvolvimento Econômico) no último dia 19. Somente no caso das fraudes contra a Petrobras, a Camargo Corrêa pagará uma multa de R$ 104 milhões, dos quais R$ 101,6 milhões para a empresa e R$ 1,7 milhão para Avancini e outros R$ 1,7 milhão para Eduardo Leite. A multa foi aplicada porque a construtora foi a segunda empresa a reconhecer o cartel. A primeira foi a Setal, em acordo assinado em março deste ano.
Em outro acordo fechado no dia 31 de julho entre o MPF, Cade e a Camargo, a empresa confessou de forma pioneira os crimes de cartel nas obras de Angra 3, mas ficou de cumprir uma série de obrigações, inclusive entregando 22 executivos de seis empresas, além da Camargo: Andrade Gutierrez, Odebrecht, Queiroz Galvão, EBE, Techint e UTC. Por ser a primeira empresa a confessar a existência do cartel nas obras da Eletronuclear, a Camargo não foi multada, mas terão que apresentar toda documentação provando o envolvimento das outras empresas no esquema fraudulento.
Em nota divulgada nesta sexta-feira, o MPF diz que em razão do acordo, o órgão deixará de pleitear “a aplicação de sanções de improbidade administrativa em relação aos ilícitos reconhecidos pela empresa”. Apesar de ser significativo o valor a ser devolvido, “o acordo não importa qualquer quitação em relação às empresas integradas por capital público que foram vítimas das fraudes, as quais poderão buscar reparar eventuais danos que entendam não terem sido satisfeitos pelo acordo”, acrescenta a nota.
O Ministério Público também não oferecerá acusação criminal em relação a parte dos funcionários envolvidos nos crimes. "Porém, os principais diretores implicados nos crimes assinaram ou negociam acordos de colaboração individuais, nos quais se submeterão a penas criminais".
Além disso, "a Camargo Corrêa obrigou-se a implantar mecanismos modernos e eficazes de compliance com as regras de combate à corrupção, os quais, se adotados pelas demais empreiteiras, implicariam um ambiente corporativo mais limpo e honesto no Brasil".
Conforme o MPF, “esse acordo estabelece um novo paradigma no direito brasileiro, obediente ao sistema implantado pela legislação contra a corrupção, contra os ilícitos econômicos e lavagem de dinheiro, e alinha-se à prática dos melhores sistemas jurídicos do mundo”.
MPF JÁ RECUPEROU R$ 870 MILHÕES
O Ministério Público Federal informa em seu site que até agora a Justiça do Paraná já recuperou R$ 870 milhões de empresas ou réus nos processos da Operação Lava-Jato. Em cinco ações de improbidade administrativa, o MPF pede o ressarcimento de R$ 6,7 bilhões. A Justiça do Paraná já bloqueou um total de R$ 2,4 bilhões dos réus da Lava-Jato.
OUTRO LADO
A Camargo Corrêa divulgou nota afirmando que a assinatura do acordo com o MPF está “coerente com a decisão de sua administração de identificar e sanar irregularidades”, comprometendo-se a fornecer informações de sua conduta nos processos em investigação “e também a reforçar com mecanismos modernos e eficazes seus programas de controle interno e compliance”.
Segundo a construtora, as informações e documentos que estão sendo apresentados às autoridades “são resultado de investigações internas que vêm sendo conduzidas pela companhia, com auxílio de especialistas externos e auditoria forense independente”. A construtora reafirma “sua disposição de colaborar para o esclarecimento dos fatos, assumir responsabilidades com a adoção das medidas necessárias para corrigir desvios e garantir um ambiente de negócios éticos, justos e sustentáveis”.
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