quarta-feira, 6 de julho de 2016

MINHA ADORÁVEL CIÁTICA


Acordo com a perna direita esquisita. Logo a minha preferida, a única que nunca me deu razão a queixa! A outra, a esquerda, olhe, prefiro nem comentar. Saibam só que é ela que sempre tropeça e estraga algo pelo menos uma vez por estação. O dedão do pé esquerdo que o diga. Garrincha o teria invejado. E note bem que nunca tocou uma bola na vida, nem de pingue-pongue.
 Pois é. Cada perna tem sua personalidade. Sem ser preconceituoso, sempre tive uma inconfessada ternura pela direita, justamente a que hoje está – com licença - me aporrinhando.
Portanto, como estava dizendo, acordei com uma dor na articulação do joelho, aqui, mais embaixo, iiiiisso! logo acima da batata. Como se alguém estivesse esticando um nervo. Não sou nenhum stradivárius, mas que me dá vontade de chiar, ah! isso dá. De repente, eu que me considerava como um Phelts da andança, deixei de poder caminhar. Descer escada, só com a esquerda; a outra, rígida, metida a perna-de-pau.
“É uma ciática” declara a vizinha que entende destas coisas. Já teve. Teve lumbago, bico de papagaio, dengue, bursite e varíola. E ciática. Daqui, ô, até ali. Quando começa o rosário das doenças, Deus me acuda! Nem sei como ela ainda está viva...

Um sábado de tarde, não agüentei mais. Fui à emergência do Hospital Santa Isabel. Agora a secção de ortopedia não é mais no corpo principal, cuja belíssima arquitetura já por si é meia cura andada. Atravessar a rua – calvário! - e entrar num daqueles edifícios feitos garagem. A acústica da sala de espera maximiza os sons. O enlatado da Globo penetra no cérebro com a força de uma betoneira. As secretárias e enfermeiras gritam as mais banais confissões. Enquanto o telefone toca e toca e toca, uma criança corre pelos corredores. Tudo muito acima do agüentável. A funerária vizinha deve ampliar a freguesia só por causa do barulho hospitalar. Interminável injeção, enquanto a criancinha berra brincando de camionete.
Odeio criança que não sabe brincar em silêncio. O-de-i-ô!
Saio zonzo da sessão. Mais tortura que cura.
Dia seguinte, no outro e no outro também, mais injeções.
Antiinflamatórios, analgésicos. Estou na maior depré. Velho de se jogar no lixo, hora de ir com mala e cuia pros lados de São Lázaro. E a dor, que vai e vem sem a mínima lógica, heim? Alias, dor tem lógica? A esposa do Seu Edivaldo o santeiro afirma. Já tive e quem curou foi na loja de folhas da Praça Marechal Deodoro. Mando o Flávio, com todos os detalhes, todinhos, de minha agonia. Volta dizendo que a loja estava repleta de médicos catando sementes e galhos, chás e pós. Comprou um óleo milagroso e um chá duas vezes por dia. Dose dupla, sem gelo, por favor.
O Reinofy, barba aparada, manda para minha casa uma sorridente baiana que vai furar minhas costas, orelhas e pernas com mil alfinetes chineses. Preço amigo. Não bastasse, aplica ventosas para amanhã eu parecer onça draculiana (sic).
A corrente não pára. O Bruno, compadecente diretor do luxuoso Villa Bahia, me oferece a mesa de massagem da casa, George incluído. George é meio chamã. Bate nas minhas gordurinhas, enfia o dedo nas pelancas, perseguindo qualquer tipo de nervo. Gritos e gemidos. Repetirá o suplício dias seguidos, enquanto lá fora brilha um sol de fim de inverno, passarinhos mil.

Quando chega o dia de minha consulta no Santa Isabel - após um mês de espera, embora pague quase R$600,00 mensais de Saúde Bradesco - a perna parou de me massacrar. O jovem médico declara que não é nada não, mas manda fazer raio X, endoscopia, urina e fezes, corte de cabelo, botox, tensão, cardioscopia, a panóplia toda. Questão de manter as boas relações com os laboratórios, coitados, que tanto precisam. Bem mais que eu de cura. Mas remédio para aliviar a dor que virá, nada. E ela vai voltar, senão hoje, amanhã com certeza, mais tardar depois do almoço.
Se não houver solução, terei que aprender a viver com. Concubinato a vista! Afinal, devagar, devagar, e com o apoio moral da perna esquerda, já estou me acostumando...

Dimitri Ganzelevitch                         Salvador, 30 de agosto de 2008.

PS.- O golpe de misericórdia veio ontem a noite, quando um visitante cubano quis me consolar “Quanto tiempo lleva? Un mês? No es nada! Mi hermano tiene lo mismo hay mas que cinco años!”.





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