RUY FABIANO*
O Brasil é um país adiado. Perdeu no passado várias oportunidades de dar um salto qualitativo, em função de decisões erradas ou de manipulações eleitoreiras de
iniciativas que poderiam ter dado certo, como o Plano Cruzado, concebido pelos mesmos mentores do Plano Real, mas profanado pelo governo Sarney.
O Plano Real, o mais bem sucedido da história, sofreu estupro na gestão PT – e o país, dizimado por uma organização criminosa, que o governa há 13 anos, volta à
estaca zero: inflação, desemprego, recessão, descrédito popular (o dano mais significativo e mais difícil de reparar e do qual depende o resgate dos demais).
Costuma-se dizer que, no alfabeto chinês, o mesmo ideograma que designa crise designa também oportunidade. Essa duplicidade, que aponta a solução de um problema a partir de sua transmutação, não funciona entre nós.
Crise aqui é só crise mesmo, sem qualquer vontade política de aproveitar a oportunidade regenerativa. A atual, que submete a conjuntura política a uma operação policial, poderia ser uma oportunidade de passar o país a limpo, entregando à Justiça, sem subterfúgios, os responsáveis pela rapina. O que se vê, no entanto, é algo bem distinto: as instituições – os três poderes -, em conluio
recíproco, em busca de saídas indolores, que reduzam ao máximo o arco punitivo.
A palavra acordão rima como Mensalão, Petrolão e outros “ãos” que ainda virão. Rima, mas não traz solução. Neste momento, três adiamentos impedem o desfecho da crise. O TCU concedeu o segundo adiamento de 15 dias para que Dilma explique as pedaladas fiscais, que configuram crime contra a Lei de Responsabilidade Fiscal e podem dar início ao processo de impeachment.
Para impedi-lo, o ministro Luís Roberto Barroso, do STF, deu sua contribuição: saiu-se com uma decisão (a ser avaliada pelo pleno) que retira da Câmara, presidida pelo
indigesto Eduardo Cunha, a votação das contas da presidente.
Embora a Câmara tenha votado as contas dos governos anteriores – Itamar Franco, FHC e Lula –, Barroso decidiu, sem qualquer justificativa razoável, que, daqui para frente, essas contas têm que ser votadas pelo Congresso, sob o comando do confiável presidente do Senado, Renan Calheiros.
Para complementar o acordão, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot,
decidiu denunciar Eduardo Cunha, poupando Renan, que passou a exercer o papel de fiador da intocabilidade de Dilma. Renan, citado diversas vezes nas delações premiadas, foi preterido em favor de Cunha, citado apenas uma vez por um delator, Júlio Camargo, que antes, por seis vezes, havia negado sua participação nas falcatruas que relatava.
Na sequência, reverberando a manobra, deputados petistas e aliados publicaram manifesto pedindo a saída de Cunha da presidência da Câmara. É o chamado ato político perfeito.
Se Cunha sair, será sucedido por um deputado do inominável PP, Waldir Maranhão, que teria a responsabilidade de convocar novas eleições para o cargo, com prazo, no entanto, para comandar (e garantir) a votação das contas de Dilma.
Cunha pode até ser culpado – e ninguém está pedindo para que não seja investigado -, mas as circunstâncias em que foi denunciado são suspeitas e aprofundam o descrédito nas instituições. E Renan? E Dilma? E Lula? E Edinho, Mercadante et caterva? Só a iniciativa privada vai para a prisão? O TSE, por sua vez, interrompeu a votação das contas da campanha de Dilma, nutridas, segundo as delações premiadas da operação Lava-Jato, com dinheiro roubado da Petrobras.
O placar estava em 4 a 1, pelo aprofundamento das investigações, num colegiado de sete - ou seja, já vitoriosa a tese de que há irregularidades que podem levar à cassação da chapa Dilma-Temer.
Eis que a ministra Luciana Lóssio, que é ninguém menos que a ex-advogada da campanha de Dilma em 2010, igualmente contaminada por dinheiro sujo, pediu vistas do processo, sem que se saiba quando será recolocado a voto.
O simples fato de alguém que exerceu tais funções estar julgando ex-clientes já indica uma anomalia profunda, absurda. Mas como estranhá-la se, na presidência da Corte, está alguém que fez o mesmo, numa escala bem mais ampla?
O ministro Dias Toffoli, como se sabe, fez toda a sua carreira dentro do PT: depois
de reprovado duas vezes em concurso para juiz, foi chefe de gabinete de José Dirceu quando este foi deputado estadual em São Paulo e federal em Brasília; foi subchefe de Assuntos Jurídicos da Casa Civil, também na gestão Dirceu, além de advogado da campanha de Lula em 2006. Lula, agradecido, o fez advogado-geral da
União. Na campanha de 2006, tentou, junto ao mesmo TSE, impedir que os candidatos da oposição tratassem do Mensalão, argumentando que aquele escândalo “jamais existiu”.
Seis anos depois, estava no STF julgando nada menos que o Mensalão. Na oposição, o panorama é igualmente espantoso. Com a faca e o queijo na mão, tendo diante de si o maior escândalo jamais visto, exibe discurso desuniforme e vacilante.
Diz que não há elementos que justifiquem o impeachment (??!!), que a presidente é honesta e honrada (não obstante suas contas não o serem e nenhuma investigação tenha confirmado tal premissa) e que é preciso ir devagar com o andor.
Suas maiores lideranças brigam mais entre si que com os delinquentes. O governador paulista Geraldo Alckmin quer que Dilma fique até 2018, para que, nesse prazo, ele possa firmar sua candidatura presidencial. O senador José Serra quer o impeachment para que Michel Temer assuma e o faça ministro da Fazenda, ocasião em que poderá produzir o seu Plano Real e tornar-se um candidato viável à presidência.
Aécio Neves, beneficiário do recall das últimas eleições, liderando as pesquisas, quer a cassação da chapa, para que se eleja. Sem diálogo interno e sem
compromisso com o clamor das ruas, a oposição presta inestimável serviço ao caos. Rui Falcão, presidente do PT, agradece. E constata: não há chance para o impeachment porque a oposição não se entende. Ele nem precisa sustentar a inocência do governo.
Basta constatar que seus oponentes são aliados na missão de mais uma vez adiar o Brasil.
*É jornalista
>
Nenhum comentário:
Postar um comentário