segunda-feira, 3 de agosto de 2015

A FARRA DA ÁGUA

Parque aquático de SP é acusado de tirar água de forma ilegal de aquífero

Segundo estudos geológicos, a 864 metros de profundidade o poço, que abastece o parque em Olímpia, atingiu o Aquífero Guarani.


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Em tempos de falta d´água, o Fantástico traz uma denúncia envolvendo um  dos maiores parques aquáticos aquáticos do Brasil. Nossos repórteres foram ao interior de São Paulo para mostrar que um grande centro de lazer está sendo acusado de tirar água de forma irregular do Aquífero Guarani, o segundo maior reservatório subterrâneo de água doce do mundo.
Um parque aquático funciona a pleno vapor, enquanto um outro está abandonado. Os dois ficam no interior de São Paulo, a 400 quilômetros um do outro. O que eles têm em comum? A origem da água, que provocou pedidos de fechamento das fontes minerais e longas disputas jurídicas.
“A palavra pode parecer forte, mas houve um roubo do bem da União para uma utilização que nós não concordamos”, diz Ricardo Moraes, superintendente do Departamento Nacional de Produção Mineral-SP.
Para entender essa história, é preciso voltar ao ano de 1953. Nascia a Petrobras. Nessa época, houve perfurações em vários pontos do Brasil, atrás de petróleo. Em São Paulo, foram quatro. Como nesses lugares não saiu uma gota sequer, os poços foram lacrados. Em Olímpia, interior de São Paulo, fica um desses antigos poços da Petrobras.
Segundo estudos geológicos, a 864 metros de profundidade o poço atingiu o Aquífero Guarani, um gigantesco reservatório subterrâneo de água doce, que se estende por Brasil, Paraguai, Argentina e Uruguai, e que, na época, não se sabia que existia. 
Algumas cidades, como Ribeirão Preto, são abastecidas exclusivamente pelo Aquífero Guarani.
“Numa seca prolongada, a gente pode utilizar os recursos hídricos subterrâneos de forma complementar ou talvez até de forma única de abastecimento”, destaca Edson Wendland, professor de recursos hídricos da UFSCar
Em Olímpia, do poço perfurado pela Petrobras a água sai a 40 graus. “Quanto maior a profundidade, maior será a temperatura da água”, explica o professor.
Do poço, a água segue quente por um encanamento embaixo da terra até o Thermas dos Laranjais, o quarto maior parque aquático do mundo. Só no ano passado, passaram pelo local mais de 2 milhões de visitantes.
Por que a água do Aquífero Guarani abastece o Thermas? A prefeitura de Olímpia diz que, nos anos 80, recebeu autorização da Petrobras para usar o poço, e depois repassou o poço para um empresário.  Sabe quanto a prefeitura recebe até hoje por isso?
“É uma lei de 30 anos atrás que previa um salário mínimo, que o Thermas paga”, diz Geninho Zuliani, prefeito de Olímpia.
Um salário mínimo: R$ 788 por mês. Quem deve autorizar o funcionamento de parques desse tipo é o Departamento Nacional de Produção Mineral, do Ministério de Minas e Energia.
Sobre o Thermas de Olímpia, o DNPM afirma: “Eles não têm autorização nossa. Nunca tiveram”, diz Ricardo Moraes.
“Esse poço deveria estar fechado. Ele não teve uma manutenção adequada ao longo dos anos, ele não deveria estar funcionando”, destaca Ana Lúcia Gesicki, geóloga do DNPM.
Em 2004, a direção do Thermas perfurou um outro poço, que fica dentro do parque e também pega água do Aquífero Guarani. Um poço profundo que também tem água quente.
“É uma exploração ilícita, sem autorização. É definido na lei penal como crime”, destaca Vanessa Carvalho dos Santos, procuradora da Advocacia-Geral da União.
Em 2009, os dois poços foram lacrados e o parque fechou. Dezenove dias depois os poços e o Thermas foram reabertos por decisão de um juiz federal de São Paulo. Para ele, o fechamento abrupto do parque representaria enorme impacto negativo na economia da região.
“Estamos recorrendo porque achamos que não cabe continuar trabalhando dessa forma”, diz o superintendente do DNPM-SP.
O parque informou que, atualmente, saem dos dois poços quase 117 milhões de litros mensais, o que daria para abastecer cerca de 20 mil pessoas ao mês.
Em maio deste ano, saiu uma outra decisão judicial. Dessa vez, de um juiz federal de São José do Rio Preto, que julgou uma ação civil pública contra o parque. A decisão: o Thermas precisa pagar, pelo uso da água, um percentual do faturamento para a prefeitura e para a União. Hoje, esse valor gira em torno de R$ 12 mil por mês.
A cobrança é retroativa a 2009. O parque diz que já depositou o valor total, R$ 672 mil, numa conta da Justiça.
Para comparar, se uma indústria da região tivesse o mesmo consumo mensal, a conta chegaria a R$ 619 mil por mês.
A  Advocacia-Geral da União acha R$ 12 mil pouco e cobra na Justiça o pagamento de um valor muito mais alto: R$ 17 milhões, referentes ao consumo de quase 4 bilhões de litros do Aquífero Guarani, entre 2005 e 2009.
“Esse valor é para reparar o prejuízo que já foi causado para a União, para o poder público e principalmente para a sociedade”, diz a procuradora.
Em maio, a Justiça também determinou que o poço perfurado pela Petrobras tem de ser fechado até setembro de 2020.
“O poço será fechado no prazo determinado. Nós temos outras fontes de recursos para a água, que é a fonte interna do parque, mesmo porque existe a possibilidade de perfuração de novos poços”, diz Caia Piton, advogado do parque.
O parque diz que o faturamento chega a R$ 85 milhões por ano e que todo esse dinheiro é reinvestido em melhorias.
“É uma associação sem fins lucrativos, que não distribui dividendos para a diretoria dela, mas que paga impostos sobre suas atividades porque são consideradas comerciais”, diz o advogado do parque.
O Thermas também fala que está amparado pela Justiça e que sempre tentou regularizar os dois poços.
“Não há motivo absolutamente nenhum para se comparar isso a usurpação”, ressalta o advogado.
E como estão os outros poços perfurados nos anos 50 pela Petrobras no interior de São Paulo? Em 2012, a Justiça determinou o fechamento de dois deles, que abasteciam irregularmente outros parques. Um em Paraguaçu Paulista e outro em Presidente Epitácio.
Desde então, os dois não funcionam. Mas um vazamento acontece no poço de Presidente Epitácio, que tem 1.600 metros de profundidade e também atinge o Aquífero Guarani. De acordo com os procuradores da República, esse vazamento existe há pelo menos dez anos, antes mesmo do fechamento do parque.
É dia e noite vazando água sem parar. Segundo o Ministério Público, a água chega a atingir 70 graus. Fizemos um teste. Em poucos minutos, macarrão instantâneo e ovos ficam prontos.
Do antigo poço da Petrobras, a água segue por um cano que atravessa um rio e levava água para o parque, fechado desde 2012.
Depois que o parque aquático foi fechado, toda água quente é jogada fora. São 100 mil litros por hora que se misturam à água do Rio Caiuazinho, um dos afluentes do Rio Paraná, o segundo maior da América do Sul. Segundo os pescadores, toda essa água quente tem afastado os peixes da região.
A quantidade de água jogada fora em Presidente Epitácio daria para abastecer durante três meses toda a população de Itu, a cidade paulista que mais sofreu com a seca no ano passado. As imagens do vazamento surpreenderam a geóloga do Departamento Nacional de Produção Mineral.
“Nossa, isso é chocante. Isso não poderia estar acontecendo. Esse poço tem que ser fechado”, destaca Ana Lúcia Gesicki.
O Ministério Público Federal cobra dos antigos donos do parque e da Agência Nacional do Petróleo, a responsável atual pelos antigos poços da Petrobras, uma indenização de R$ 20 milhões por danos ao meio ambiente.
“O revestimento do poço ele foi sendo prejudicado, ele foi sendo danificado com o passar do tempo e o problema foi se agravando”, diz Luís Roberto Gomes, procurador da República.
Desde novembro do ano passado, a Justiça tenta e não consegue localizar os antigos donos do parque. Procurada pelo Fantástico, a Agência Nacional do Petróleo informou que nunca deu nenhuma autorização para o uso dos poços. Quanto ao de Presidente Epitácio, a ANP concorda que o poço deve ser fechado e disse que aguarda a Justiça definir quem será o responsável por isso. Até lá, o desperdício de água continua.
“A água é um bem essencial, estratégico. Temos que defender a água a qualquer custo. Ainda mais agora, nessa crise hídrica nacional”, afirma a procuradora da Advocacia-Geral da União.

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