segunda-feira, 10 de novembro de 2014

QUINZE MINUTOS ATRASADO

AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA  

Todo brasileiro meses depois pensava: é impossível viver num país onde os ônibus chegam às 10h14!

Quando li o que estava no jornal não sabia se ria ou se chorava. Acho que vou pedir ao Roberto da Matta que faça um ensaio sobre isto. Ele que escreveu aquele texto Sabe com quem está falando?. Quem sabe me explica isto que acabei de ler?

“No Brasil tudo começa com 15 minutos depois”— disse chinesa Ana Qiao Janzehen professora, tradutora e historiadora que está aqui desde 2012.

Ela falava isto com o espanto de uma cultura iniciada 16 séculos antes de Cristo. Nós brasileiros temos dificuldade de imaginar isto. São quase 4 mil anos de cultura na China.

O que aqueles “15 minutinhos” têm a ver com isto?

Uma vez estava num seminário com personalidades da cultura francesa em Brasília e um dos convidados falou uma coisa que ficou tão cravada em mim que acabei fazendo uma crônica. Ele dizia que França havia marcado um encontro com o Brasil e o Brasil faltou…

Ele falava de um encontro histórico. Creio que nos atrasamos …apenas uns quinze minutinhos…

Uma vez estava na Europa fazendo um roteiro organizado pelos organistas Elisa Freixo e Jean Ferrard. Iamos pelos “caminhos de Bach” passando po Eisenach Arnstard, Weimar,  Freidberg, Dresden, Leipzig, Hamburgo, Luneburg, Celle e Lubeck. (Todo ano a Elisa e o Jean fazem esse roteiro, inscrevam-se). Pois bem. No primeiro dia, Jean Ferrard fez uma coisa que soou como uma heresia aos ouvidos dos brasileiros. Disse que era imprescindível que cumpríssemos o horário, pois as viagens estavam encadeadas e uma dependia da outra.

Isso soou aos ouvidos dos brasileiros como um atentado. Como? Chegar na hora certa? Jamais! Essa belga está pensando o quê?

Isso foi um motivo de piadas, forma de superarmos o estranho desafio. A ironia serve para isto. Mas ali estava uma diferença cultural. Os brasileiros, no entanto, durante uns 10 dias fizeram um esforço gigantesco para não chegarem 15 minutos atrasados. Sentiam-se numa olimpíada. Era uma concessão ao belga e sua mania de horários.

Uma vez dei aulas na Alemanha. Foi lá que escrevi aquele longo poema A Catedral de Colônia. Mas além da Catedral, espantou-me o que espanta qualquer brasileiro: os ônibus chegavam exatamente no horário previsto. Eu como um índio botucudo ficava colado ao poste apostando que o ônibus ia se atrasar. E o danado chegava às 10hs e 14 minutos. Infalivelmente. Claro que a princípio ficava pasmo. Mas como todo brasileiro meses depois pensava: é impossível viver num país onde os ônibus chegam às 10h14!

Nos anos 1960, um aluno americano veio me visitar. E nunca entendeu não só porque as pesssoas não apareciam na hora marcada, mas porque se espantavam quando ele levava a sério aquele convite: “apareça lá em casa…”

Quando eu era menino, ouvi um pastor contar a história de um menino que vivia se atrasando. Um dia os inimigos invadiram sua aldeia e a mãe disse ao filho, vamos embora que estamos em perigo. O menino pediu 15 minutinhos… E o inimigo chegou…

Uma vez cheguei na hora marcada para um jantar, às 21h. A dona da casa estava ainda se pintando e ficamos na sala quarenta minutos esperando. Eu era chinês ou belga e não sabia.

Pois bem. Aquela chinesa, que mencionei no princípio, disse uma outra coisa: “O chinês será o segundo idioma do brasileiro”.

Lembram-se daquela frase antiga: “Calma que o Brasil é nosso!”

Pois é.


Um comentário:

  1. Uma análise perfeita...adorei...a mais completa realidade brasileira...mas como baiana eu sou belga...chego sempre na hora certa...ou antes...

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