O Estado de São Paulo – 19nov2014 –
José Nêumanne*
Combate à corrupção não é obra de Dilma
Acredite quem quiser: a presidente reeleita, Dilma Rousseff, tentou, na
reunião do G-20 na Austrália, da forma canhestra que lhe é habitual, tirar
proveito da notícia da prisão de empreiteiros na sétima etapa da Operação Lava
Jato. Como se esta fosse uma obra de sua administração, a exemplo do PAC, do
Bolsa Família e do Minha Casa, Minha Vida. Em sua peculiar versão sobre os
fatos da atualidade, teve o desplante de exaltar como mérito do próprio governo
o fato de agora se investigar a corrupção "pela primeira vez na História
do Brasil".
Como diria Jack, o Estripador, vamos por partes. Primeiramente, a
roubalheira na Petrobrás é, sim, e disso ninguém tem mais como discordar, o
maior escândalo de corrupção da História do Estado brasileiro, desde que o
português Tomé de Souza desembarcou na Bahia para ser nosso primeiro
governador-geral. Nada se lhe compara em grandeza de valores, vileza de ações e
resultados funestos para uma empresa criada para tornar concreto o lema da
esquerda nos anos 50 do século passado - "o petróleo é nosso". O
petróleo, descobriu-se agora, não é nosso, é deles: do PT, dos partidos da
base, de desavergonhados funcionários de carreira da petroleira e de doleiros
delinquentes.
Ainda não apareceram indícios na investigação de que Dilma e seu
antecessor na Presidência, Lula da Silva, tivessem tirado algum proveito
financeiro do butim. Mas não há mais dúvidas de que ambos estavam a par de
tudo. Sabe-se disso não apenas por ter o doleiro Alberto Youssef, um
meliante de terceira categoria do Norte do Paraná, contado em delação premiada
a agentes federais e promotores. Há provas documentais e históricas, como acaba
de revelar o Estado: em 2009, o Tribunal de Contas da União (TCU), no exercício
de sua assessoria ao Legislativo, avisou o Congresso que não permitisse o
repasse de R$ 13,1 bilhões à Petrobrás porque seus fiscais haviam auditado
irregularidades em obras da estatal. O Congresso proibiu, Lula vetou a decisão
e mandou dar dinheiro às obras suspeitas.
Mas o então presidente não se limitou a vetar os dispositivos orçamentários
e liberar as verbas glosadas pelo TCU: também abusou da jactância de hábito ao
fazer troça da mania que o órgão teria de "querer mandar em tudo". Se
José Sérgio Gabrielli, então presidente da maior empresa brasileira e seu homem
de confiança, não lhe contou, o TCU, no mínimo, avisou. Não se pode dizer que
Gabrielli seja confiável aos olhos de Dilma, mas, além de ter sido ministra das
Minas e Energia, ou seja, responsável pela atuação da estatal e presidente de
seu Conselho de Administração, ela, como chefe da Casa Civil, não podia
desconhecer o alerta do TCU nem o desafio em forma de veto do chefão e
padrinho.
É fato que a oposição não se pode jactar de ter sido a responsável pela
revelação do escândalo do petrolão nem dos casos que o antecederam: o mensalão
e a execução do prefeito de Santo André e então coordenador de programa de
governo da campanha de Lula à Presidência em 2002, Celso Daniel. A descoberta
de documento de um "empréstimo" de R$ 6 milhões do operador do
mensalão, Marcos Valério Fernandes, a um dos protagonistas do escândalo de
Santo André, Ronan Maria Pinto, pela Polícia Federal (PF) nos papéis
apreendidos em mãos de Meire Poza, contadora de Youssef, desvendou a conexão
entre os três casos. Valério disse há dois anos que deu essa quantia ao
empresário de ônibus para sustar chantagem dele contra Lula. O papel é uma
evidência de que o mensalão não serviu apenas para comprar apoio de pequenos
partidos no Congresso ao governo, mas também para afastar suspeitas de
envolvimento da cúpula da gestão federal e do PT não na execução de Celso
Daniel, mas no acobertamento dos verdadeiros assassinos, protegidos pela
versão da polícia paulista, sob égide tucana (sem aval do Ministério Público),
de que o crime teria sido ocasional.
Nestes 13 anos, nos governos Alckmin, Lembo, Serra e Goldman, a oposição
não se aproveitou do fato de comandar a polícia estadual paulista para produzir
sequer uma investigação decente que convencesse a família de que a morte de
Daniel teria sido casual. Como é de conhecimento geral, tucanos e democratas
também nada tiveram que ver com a delação do petebista Roberto Jefferson sobre
o mensalão, escândalo do qual foi protagonista José Janene, um dos autores
intelectuais da roubalheira na Petrobrás, que teria resultado na lavagem de R$
10 bilhões.
A Operação Lava Jato é um trabalho que a Nação não deve a nenhum
"sinal verde" de Dilma ou de Lula nem à denúncia de tucano algum.
Mas, sim, às divisões internas da Polícia Federal, ao poder autônomo do
Ministério Público Federal, à competência técnica e ao tirocínio corajoso e
probo do juiz federal paranaense Sérgio Moro. O sucesso das investigações
também se deve à delação premiada, à qual o "Paulinho" de Lula e
"Beto" Youssef recorreram para não padecerem o que hoje padece Marcos
Valério por ter achado que seus poderosos parceiros não o abandonariam. Não
houve ordem "republicana" para investigar, processar e prender todos
os culpados, "doa a quem doer". Nem denúncias de uma oposição
indolente e nada vigilante.
Dilma também anunciou em Brisbane que a Lava Jato pôs fim à impunidade.
Bem, aí depende! A impunidade no Brasil já teve um grande baque com as
condenações do mensalão. Graças ao relatório de implacável lógica de Joaquim
Barbosa, políticos tiveram a inédita sensação de eleitores serem iguais a
eleitos perante a lei. As diferenças na execução penal, contudo, mostram
que essa igualdade continua relativa: a banqueira, os advogados e o
publicitário continuam na cadeia e os insignes companheiros que tinham mandato
ou ministério estão "presos" em casa.
A prisão dos empreiteiros mostra que a delação premiada é mesmo pra
valer. Mas os políticos eventualmente delatados ainda continuam soltos.
*José Nêumanne é jornalista, poeta e escritor
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