Marcelo Torres
Olha só o que aconteceu em Salvador, na velha Bahia cansada de guerra: um ladrão roubou um Rolex e, minutos depois, voltou para devolvê-lo ao dono.
Não que o 'menino', de um minuto para outro, no caminho, tenha encontrado Jesus e, arrependido, convertido, tenha passado a crer no evangelho, ou recebido um santo.
Voltou ele porque, ao analisar melhor o redondo, descobriu que se tratava de um Rolex falso - ou genérico, como diz o outro.
Para ter chegado a esse ponto - de saber se um Rolex é falso ou verdadeiro, dando-se inclusive ao luxo de retornar para devolver o produto pirata -, há de se imaginar quantos relógios não já passaram pelas mãos desse moço...
Mas o fato é que ele voltou, e veio com a cara mais lisa, andando devagar, e jogou o roscofe nos peitos do dono, ao qual ainda falou umas liberdades - "jacaré que vacila vira bolsa de madame" -, e foi saindo com toda calma do mundo.
Ao dobrar a esquina, porém, os homens chegaram e “crau” - uma gravata, mãos para trás, algemas e camburão. Não é de se duvidar que, na viatura e/ou na delegacia, também tenham lhe dado uns bolos com fantas e bolachas.
Bom, ao saber da notícia, fiquei cá matutando: os ladrões hoje em dia só querem roubar coisa boa, coisa fina – e original, ainda por cima! Se for genérico, coisa de segunda mão, fora de linha, eles não querem.
Uma vez, aqui em Brasília - onde não faltam ladrões, vindo dos quatro cantos do país - andava eu doido que roubassem o meu carro, que estava acabado e o seguro pagaria mais do que ele valia.
Num belo dia, aliás, numa bela noite, eu fui dormir e esqueci o velho sucatão - um Vectra preto 1996 - aberto no estacionamento público do prédio (a maioria dos prédios em Brasília não tem garagem).
Juro pela alma do meu pai, que foi o homem mais direito deste mundo, juro de pé junto e mãos espalmadas que foi puro esquecimento, pois sou um fraco de memória, esquecidiço irremediável e incurável.
Apesar de esquecido, lembro que naquela noite dormi tranquilo e, na manhã seguinte, ao chegar no estacionamento, vi que os vidros do motorista e do carona estavam abertos. Só faltou um adesivo: “Roube-me, pelo amor de Deus!”.
O som estava lá, os CDs, óculos esportivos, um boné, uma camiseta, dois livros intactos - mas que ladrão de carros iria querer roubar livros?
O mais curioso, o mais incrível é que havia, ao lado do Vectra, sabem o quê? Um outro Vectra, também preto - creio até que do mesmo ano - e também aberto - só não sei as intenções do dono.
Quando a esmola é em dose dupla, o ladrão desconfia. Viu duas arabacas juntas, abertas - “venha, seu ladrão, entre, me leve" - aí desconfiou, achou que era uma arapuca - ou duas arapucas.
Hoje, sete anos depois, nunca mais vi o outro Vectra, não sei se foi roubado, se foi vendido. O que vejo é que meu velho Vectra não atraiu interessados. Nem para comprá-lo nem para roubá-lo. E nada importando se dorme aberto ou fechado.
Pelo menos, que eu saiba, não há interessados. E se ninguém quer comprar um Vectra 1996, que ladrão perderia tempo em roubá-lo?
Pensando bem, melhor assim. Se um ladrão o roubasse, com certeza retornaria para me devolver e me dizer desaforo. E se um comprador o comprasse, acharia depois ter feito um mau negócio e voltaria para me mandar pro beleleu.
Nenhum comentário:
Postar um comentário