quarta-feira, 19 de novembro de 2014

AS CAIXINHAS DO FINAL DO ANO


MARCELO TORRES

Todo ano é assim: novembro nem bem deu o ar da graça, e todo mundo já está falando feliz natal, adeus ano velho, feliz ano novo, que tudo se realize, no ano que vai nascer, muito dinheiro no bolso, saúde para dar e vender.
Tudo, tudo, tudo de bom, aliás, “tudo de melhor”, como a rapaziada vem falando hoje. Você gosta, acha bom, curte, compartilha, pois faz parte deste mundo, mas convém fazer a sua parte e depositar uma gorjeta nas caixinhas de final de ano.
[E agora me bateu uma dúvida prosaica: como chamar aquelas caixinhas que, todo ano são religiosamente colocadas ao lado dos caixas de todos os estabelecimentos comerciais nas cidades brasileiras? Não pode ser (o nome) Caixinhas de Natal. Isto porque, mesmo quando passa o Natal, elas continuam lá, solenes, tranquilas e infalíveis como Bruce Lee, esperando não Godot, mas a sua contribuiçãozinha. Então, só pode ser (o nome) Caixinhas de Final do Ano.]  
Só para vocês terem uma ideia, nos dois últimos dias eu encontrei uma na padaria, outra na farmácia ao lado, outra no supermercado na outra quadra, outra na banca de revista, na livraria do shopping, na borracharia, na ótica, no bar, no restaurante, até na escola do meu filho, vejam só que coisa!, está lá a caixinha no balcão.
Vou lhes contar, agora, o que me aconteceu na farmácia ontem...
As moças do caixa da farmácia sempre foram muito atenciosas comigo, sempre me trataram muito bem, sempre com frases educadas: “Mais alguma coisa?”, “Débito ou crédito?”, “CPF na nota?”, “O senhor já possui o nosso cartão de vantagens?”
Então, ali na frente delas, e a caixinha entre nós, me senti na obrigação moral de depositar um trocado, um trocado qualquer, afinal já é natal, tempo de desejar “tudo de melhor”, essa época só de coisas boas, um mundo feliz e tudo mais.
Pois bem, após pagar o remédio no cartão, abri de novo a carteira, agora em busca de um miúdo, uma nota de dois, uma de cinco, talvez. Porém, para meu azar, só havia na carteira duas notinhas: uma era a onça pintada, a outra era o mico-leão dourado.
A onça-pintada, você sabe, é aquela nota de cinquenta. Já a do mico-leão é aquela amarelinha, a nota de vinte reais. Para os meus padrões, vinte e cinquenta são muitos dinheiros, não são miúdos nem trocos ou trocados.
E agora? Fiquei num beco sem saída: se correr o mico pega, se ficar a onça come. Ou seja, fechar a carteira, que elas viram ter duas cédulas, seria dar uma de amigo da onça, seria pagar um mico-leão dourado, talvez um king-kong, um zoológico talvez.   

Naqueles milésimos de segundos, decidi que puxaria uma das duas notas, mas hesitei entre a onça-pintada e o mico-leão-dourado. Enquanto isso, as duas moças do caixa me olhavam com aquele ar religioso, que não sei se católico ou evangélico.

Se fosse um filme, a trilha sonora teria o bigodudo Belchior a cantar: “Estava mais angustiado que o goleiro na hora do gol...” Mas era real, tudo muito real, e eu precisava decidir, e rápido, pois já havia três ou quatro pessoas na fila.

Então, puxei a nota de vinte, a ergui um pouco acima da carteira e, quando a ia colocando no buraquinho da caixinha, sob o olhar quarenta e três de uma das moças, parece que um espírito de Silvio Santos baixou em mim: “Deixe de ser mão-de-vaca, dê logo a de cinquenta”.

Aí, então, refoguei, repuxei o mico de volta para a carteira e peguei a onça-pintada pela orelha. Levantei-a acima da carteira, para que as moças vissem, e com espírito natalino, a empurrei solene e orgulhosamente no buraquinho da caixinha da Santa Martha, que é o nome da farmácia.

E a moça falou muito obrigada, feliz natal, tudo de melhor pro senhor e, então, com seu sorriso natalino, chamou o próximo.

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