Vi esse filme no fim de semana e gostei dele de modo particular. Aliás, assim como acontece com outras obras, comecei a curti-lo justo quando ele passou a me causar um certo incômodo, um desconforto. Aí eu disse: opa, tô começando a gostar. Dentre seus principais méritos, a apresentação de personagens e ambientes destituídos de qualquer glamour. Sabe aquelas pessoas (e também lugares) que são quase sombras, pois é gente assim que protagoniza essa história. A ambientação reforça a ideia, pois o filme se passa quase completamente no âmbito de um velho edifício, em algum bairro de periferia de uma cidade que talvez seja Paris, talvez não.
Achei o diretor corajoso, muito sensível, além de amoroso com suas personagens solitárias, abandonadas e cheias de perplexidade e desencanto. Corajosíssima e profissionalíssima também a atriz Catherine Deneuve, que no filme aparece completamente "desembelezada", feia mesmo, mas de uma feiúra natural, obra do talento dos que conseguiram (ela própria, o diretor, o maquiador, etc) gerar isso num dos símbolos de beleza mais famosos do cinema. Não esqueçamos que ela foi a protagonista de "A bela da tarde".
Enfim, um filme bastante comovente e tocante, sem pieguismo e amalgamado por cenas engraçadas (ele está classificado como comédia dramática), outro mérito do diretor, que passa do cômico ao dramático sem soluços ou engasgos. Recomendo.
Abaixo uma crítica. Havia outras, com cotações mais favoráveis, mas em língua estrangeira.
Abraços.
Tadeu Araújo
Mais do que falar sobre a depressão, o diretor Pierre Salvadori (de Uma Doce Mentira, 2010), que assina também o roteiro, mostra a crueza de uma crise de humana, que envolve seus protagonistas em Em um Pátio de Paris. Ele desenvolveu personagens que vivem à deriva, cujas perspectivas lhe foram roubadas, não apenas pela doença em si, mas por recusa de seus círculos íntimos de entender o que realmente ocorre.
O primeiro, e o mais performático, é o músico Antoine (Gustave Kervern), que deixa carreira, esposa e literalmente o palco, para trabalhar como zelador de um condomínio parisiense. Afeito a bebidas e drogas (único meio que lhe permite dialogar com outras pessoas), vê ali uma oportunidade de se entregar aos poucos a um inevitável fim.
No entanto, lá conhece a aposentada septuagenária Mathilde (Catherine Deneuve), que começa, passo a passo, a perder a noção de realidade. Um trabalho, aliás, brilhante da atriz, que se entrega ao papel, mesmo perdendo sua aura de realeza francesa, como o fez em Ela Vai (em 2013). Tragicamente perdido em seus devaneios, seu marido Serge (Féodor Atkine) não percebe o gradativo estado depressivo ao qual ela se encaminha.
Como se a torta relação entre Antoine e Mathilde não bastasse, Salvadori ainda coloca no caminho Stéphane (Pio Marmaï), um ex-atleta, que vive enfurnado em seu apartamento consumindo heroína e outras drogas, saindo ocasionalmente para roubar bicicletas. O trio, aparentemente trivial, consome a si, tendo Antoine, que nunca consegue dizer não, como ponte. Apoiado em seu elenco afinado, o diretor evita carregar demais nas dores de seus protagonistas, incluindo aí doses ocasionais de humor para abarcar de maneira leve o tema. Mesmo assim, não se trata de uma história de superação, mas sim uma bem-pensada, tecnicamente, forma de assimilação do que é a depressão, com estágios, sintomas e enfrentamentos muito diferentes.
Em determinado momento, Antoine (percebendo que há algo de errado com sua amiga) diz que precisa falar algo para ela, mas não sabe como. Na cena em que ela segura sua mão, entendendo a ele e a si mesma, Salvadori mostra uma sensibilidade social, tão marcante como a grandeza cênica, de quem pensa através de imagens e metáforas. É, enfim, um forte pensamento figurativo, comovente e, até, útil.
Rodrigo Zavala
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