segunda-feira, 20 de abril de 2015

PARA UM MUSEU DE CULTURA POPULAR

ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL A TARDE EM 2010

E nossa cultura popular? Alguém pode informar qual órgão se dedica especificamente a ela? Apostamos que não. Não existe, em todo o estado da Bahia, um único espaço reservado à documentação, memória e resgate das expressões culturais do povo baiano. Em exposição encontrar-se-ão, talvez, umas poucas peças de caráter comercial no Instituto Mauá, muitas vezes sem especial relevância e com total deficiência de pesquisa. 

A italiana arquiteta Lina Bô Bardi bem que tentou constituir, no início dos anos 60, um acervo de qualidade. A ditadura militar, o evidente desinteresse dos governantes locais por qualquer coisa que não tivesse o glamour europeu ou norte-americano, relegou o acervo aos porões do Solar do Unhão, e não se falou mais nisso. 

Temos algo comparável à pernambucana Fundação Joaquim Nabuco, ao carioca Museu do Folclore Edson Carneiro, ao mineiro Museu de Artes e Ofícios? Nada!  A coleção Pardal de carrancas hoje pertence a um colecionador português.

A maioria dos centros de olaria do Recôncavo e do interior, fossilizada, está sobrevivendo no ostracismo, as rendeiras de Saubara só podem contar com uma Márcia Ganem, dentro de seu potencial de mercado. 

E os outros? Os que fabricam brinquedos, apetrechos de couro, cestas, mocós e balaios, montarias para jegues e cavalos, ferramentas? E as expressões e iniciativas privadas, que podemos rotular de artes espontâneas: gravadores, escultores e pintores que, sem o mínimo apoio, acabam massificando a produção para o predador mercado de turismo?

Precisamos documentar, sem mais demora, as danças, as procissões, as rezadeiras, as festas de largo, os curandeiros, os fazedores de máscaras, as lendas e crenças, o cancioneiro dos morros, das praias e da caatinga, os carnavais, as receitas tradicionais – passando por conventos, mosteiros, ocas e terreiros - as pinturas dos caminhões e carroças, o delicado e forte emaranhado dos vendedores ambulantes, tanto urbano como interiorano, os garimpeiros, pastores e boiadeiros. 

Temos um material tão rico e tão ignorado! Respeitar um povo é também respeitar suas expressões. Sua essência.

 Dimitri Ganzelevitch                                                             Salvador, 21 de maio de 2010


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