terça-feira, 1 de setembro de 2015

CADÊ A UNIVERSIDADE...

... QUE ESTAVA AQUI?

Malu Fontes

Quem está há muito tempo na vida acadêmica  não tinha, até meados deste ano, memórias comparáveis à penúria vivida nas universidades na era FHC. As memórias já estavam distanciadas da vivência e experiência dos professores ingressos nas décadas de 80/90. A universidade da ditadura, para esses, era um capítulo trevoso nas páginas dos livros na estante e marcas na memória dos colegas aposentados que foram presos, torturados, exilados.
A marca dos anos Paulo Renato, ministro da Educação de FHC, foi um chega para lá na universidade pública, financiamento para a construção de faculdades privadas e compra de vagas para alunos sem renda nessas instituições, através de novos programas de crédito educativo. Hoje, centenas delas estão morrendo à míngua financeira, muito antes da crise chegar. Projetaram trajetórias sobre uma demanda de clientes inexistente. Abriu-se, por exemplo, 10, 15 ou mais cursos de jornalismo em Salvador, dezenas no interior. Com o mercado baiano raquítico nessa área, cadê candidato e aluno para preencher tanta vaga e saírem desses cursos com o mínimo de esperança de obter um emprego em sua área? Candidatos sumiram e cursos também. E assim em várias outras habilitações.
Os anos 90 e início da 1ª década dos anos 2000 foram pródigos na multiplicação das privadas, multiplicação traduzida brilhantemente numa campanha publicitária de uma faculdade de Salvador, que chamava os aventureiros do business universitário de empresários do ramo “alimentos gostosinhos S. A.”, por num dia venderem biscoitos, no outro, televisões e no outro, educação, mesmo não tendo know how para isso, mas para surfar nas ondas do que estava dando dinheiro no momento. Dizem as más línguas que a abertura vertiginosa de faculdades privadas esteve a serviço até da lavagem de dinheiro de empresários nebulosos de Salvador, que se tornaram donos de impérios educativos, gente que nunca soube que Machado de Assis  ou Oswaldo Cruz um dia tiveram formas em carne e osso e muito menos que deixaram uma obra.
JUÍZO FINAL
No governo Lula, iniciou-se uma nova fase na universidade pública, uma expansão jamais vista, abertura de novas habilitações, cursos noturnos, concursos para professores, multiplicação exponencial de vagas. No entanto, tudo o que foi conquistado, agora parece escorrer no valão de um fracasso cujas  consequências a universidade levará anos para superar. A Ufba completa 90 dias de greve nesta semana e a única resposta aos alunos que perguntam quando ela acabará parece ser: um dia depois do juízo final. Como se as dívidas não bastassem, o corte de mais da metade do orçamento praticamente inviabiliza a abertura das portas, a luz nas lâmpadas, a água nas torneiras, sem falar no calor subsaariano de Salvador no Verão em salas de aula projetadas para funcionar somente com ventilação mecânica e agora com aparelhos quebrados e sem dinheiro para consertá-los.
É de uma desesperança sem tamanho ver alunos macambúzios e melancólicos, como se tivessem ganhado o brinquedo dos sonhos e alguém em seguida tivesse arrancado as peças. É indefensável qualquer argumento que tente justificar esse estado de coisas, num governo cujo lema é Pátria Educadora. Ô, Pátria Educadora, pátria minha (reverenciando Vinicius de Moraes), cadê a universidade que estava aqui? Que fim estão dando nela? Como se não fosse bastante, eis uma manchete desta semana: Governo perde prazo para o envio de projeto de reajuste salarial de funcionários do Executivo. E mais: “Além dessa pendência, o governo precisa encontrar uma solução para acabar com a greve dos advogados públicos e dos auditores fiscais, que prejudicam áreas estratégicas como o andamento das sentenças judiciais contra a União e a arrecadação de impostos e contribuições do governo federal”. Na Pátria Educadora, a educação não é estratégica. E quem está se importando, de verdade? Nas ruas, esse é assunto de ninguém.
* Malu Fontes é jornalista e professora de Jornalismo da Ufba

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