quarta-feira, 16 de setembro de 2015

MICOMICO

ARMANDO CATUNDA



Resolvi não ter mais filhos peludos, há 3 anos, desde que Layla, minha pastora alemã, foi para o paraíso dos canídios.
Decisão que nasceu em parte por sofrer demais com a perda de alguém que divide a vida com você e lhe entrega um amor incondicional e também por ficar preso à cidade, tornando as viagens inviáveis, pela responsabilidade que essa afeição obriga.
Assim que começava a botar as malas no carro, ela se dirigia para sua casinha (que só usava nessas horas, ou se ouvisse alguma voz mais alterada, alguma desarmonia) com a cara mais derrubada do planeta. Simplesmente não comia nem bebia durante mais de dois dias quando nos ausentávamos.
Essa decisão foi balançada, quando esse gatão apareceu no final de tarde, com seu andar de nuvem no vento, testando nossa empatia com um miadinho curioso, tipo: - E aí, tudo bem?
Achei engraçada sua aparição, seu jeito sinuoso, melífluo (esse adjetivo que caiu no esquecimento nasceu para ser aplicado aos gatos, tenho certeza), espertíssimo, manhoso e camarada.
O encontro se deu em frente de minha casa, e quando abri o portão não se fez de rogado, entrou como um espião visitando uma embaixada, educado, conversador e curiosíssimo, nada lhe escapava.
A visita durou algumas horas e lá pelas tantas caiu na noite onde todos são pardos, menos ele, com uma brancura de algodão quebrando a camuflagem.
Retornou no dia seguinte, e já à vontade e folgado como um parente embriagado em uma festa, deu uma extrapolada, subiu na mesa da cozinha e ao tomar um tapa na bunda, firme e leve, juntamente com um tom de voz de assustar gente e gato, indignou-se, ofendeu-se profundamente e caiu fora pelo muro de trás. Escafedeu-se, sumiu da fita.
Reatamos amizade após uns dois meses, camaradas, sem ressentimentos de ambas as partes: encontro na rua, miado teste – saudação, ele andando gracioso no seu S, bunitinho demais, conquistador com sua cara engraçada e seu rabo de esquilo.
Acontece que era nosso vizinho, morava quase em frente com mais dois felinos, xodós de estimação de um casal do Rio de Janeiro que só vinham vê-los a cada quinze dias ou mais. E o Thor, seu antigo nome, queria mais era saber de companhia, assistir o Animal Planet no tapete da sala, ou de preferência no colo da Jane (o meu é regra 3, quando ela está ocupada).
Para resumir: mudou-se de casa e de nome, agora é conhecido como Micomico (para indignação de sua antiga dona “um gato lindo desses você chama de Micomico?”), mesmo porque aqui mitologia não mia. Os donos, gente fina, resignaram-se e quando chegam ele vai visita-los cordialmente, como um filho na faculdade nos finais de semana, fica um tempinho, ganha agrados e atum light, bate um papo e volta.
Agora, faz parte da casa, adaptou-se aos hábitos, como o de nunca subir na mesa, por ex. E nós adaptamo-nos aos dele. Todos os dias, lá pelas tantas, cai fora, vai dar um rolê e volta à hora que bem entende, nem telefona para dar satisfação.
Já tem uma bola de tênis super leve e dois cadarços para brincar à noitinha e de manhã cedo, quando está completamente endiabrado e me faz voltar a ser moleque rindo muito, puxando aquele cordão pela casa com ele atrás dando piruetas inimagináveis, atacando o tapete como uma presa, subindo na árvore como um raio para descer em seguida, só pela pura explosão de energia.
É elegante, maluco e sabe a hora de falar e de calar, como todo bom amigo. De vez em quando dá uma folgada, como todo bom amigo, mas com muito charme.
É um verdadeiro gachorro, porque, entende o chamado e nos segue pela rua, espera a Jane voltar para casa, empoleirado no portão, sempre à mesma hora, diariamente, sem falta.
Quando vou tocar minha batera acompanhando minha turma, Diana Krall, Jobim, Eric Clapton, deita-se ao lado, companheiro e dorme embalado, numa nice.
Enfim, entrou em nossa casa e nossa vida como quem não quer nada e conquistou seu lugar de honra, tipo, ganha o leite matinal antes de meu café, rs...
Um dos meus autores prediletos Loren Enseley, que mudou e ampliou minha visão do mundo, diz, definitivo:
“A magia que reluz por um instante entre um animal e seu dono é, ao mesmo tempo, o reconhecimento da diversidade e a necessidade de afeição através das ilusões da forma." E ainda:
"Não nos encontramos a nós mesmos enquanto não topamos com o nosso reflexo num olho que não seja humano."
Assinamos embaixo, eu e Micomico.

2 comentários:

  1. Ninguém resiste a um gato.
    Também tive muitos cachorros na minha vida. Adoro-os.
    Mas gatos são especiais.
    Até hoje ninguém conseguiu descrever o gato e o que é ter um.

    ResponderExcluir

Related Posts with Thumbnails