sábado, 26 de setembro de 2015

A BRONCA DOS BANQUEIROS

O Fed fez a coisa certa ao não elevar os juros; 

e o clamor dos bancos por taxas mais altas não tem a ver 

com o interesse público

PAUL KRUGMAN

Na semana passada o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) optou por não elevar as taxas de juros. Estou entre os economistas que se indagam por que razão estamos considerando elevar os juros agora.
Mas a reação do mercado financeiro pode explicar o que está acontecendo. O Fed conversa bastante com os banqueiros — e os banqueiros reagiram à sua decisão com absoluta e indisfarçável ira. Para aqueles tentando entender a política econômica da gestão monetária, foi um momento “Aha!”. De repente, muito do que tem sido obscuro e intrigante sobre esta discussão fez sentido: basta seguir o dinheiro.
Os princípios básicos da política da taxa de juros são bem simples e retrocedem há um século, ao economista sueco Knut Wicksell. Ele argumentava que bancos centrais como o Fed ou o BCE devem manter a taxa de juros em seu nível “natural”, definido em termos do que acontece com a inflação. Se as taxas estiverem muito baixas, a inflação vai acelerar; se estiverem muito altas, a inflação vai cair e talvez se transforme em deflação.
Por este critério, é difícil defender a ideia de que o nível atual está muito baixo. A inflação tem sido baixa há anos. Particularmente, a medição preferida pelo Fed, que retira do índice os preços voláteis, como alimentação e energia, e que tem de forma consistente ficado abaixo de sua meta de 2%, não dá sinais de aumento.
É verdade que os juros — próximo a zero no caso das taxas de curto prazo, que o Fed controla mais ou menos diretamente — estão muito baixos em termos históricos. E é interessante perguntar por que a economia parece precisar desses níveis baixos de juros. Mas todos os sinais indicam que a economia precisa. Novamente, se você acha que os juros estão muito baixos, onde está a inflação?
Apesar disso, o Fed tem sido constantemente criticado por sua política de juros baixos. Por quê?
A resposta é que o enredo continua mudando. Em 2010-2011 os críticos do Fed soaram sombrios alarmes sobre inflação iminente. Era de se esperar alguma mudança de tom quando a inflação não se materializou. Em vez disso, porém, aqueles acostumados a exigir taxas de juros mais altas para afugentar a inflação continuam demandando taxas mais altas, mas por razões distintas. A justificativa da vez é a “estabilidade financeira”, a afirmação de que taxas de juros baixas geram bolhas e crashes.
Suponho que esta última desculpa para elevar os juros poderia estar certa. Mas é impressionante ver como a defesa do aumento dos juros se tornou algo complexo e dúbio. Gosto de pensar nisso da seguinte forma: se os políticos com inclinação à esquerda fossem apresentar justificações para suas políticas que fossem assim tão dependentes de uma lógica instável e fraca evidência, eles seriam criticados por sua irresponsabilidade. Por que então se levam essas coisas a sério?
Bem, quando se veem justificativas em constante mutação para demandas de política monetária que nunca mudam, é uma boa aposta pensar numa razão ulterior. E a bronca dos banqueiros contra a taxa — combinada à queda dos preços das ações após a decisão do Fed de não elevar os juros — oferece uma pista poderosa sobre a natureza do motivo: é o lucro dos bancos, seu estúpido.
Muitas pessoas têm sido enganadas por tentar decifrar se dinheiro fácil é bom ou ruim para as pessoas ricas em geral. Esta é, na verdade, uma questão complexa. O que é claro, porém, é que taxas de juros baixas são ruins para os banqueiros.
Pois os bancos obtêm seus lucros recebendo depósitos e emprestando os fundos a uma taxa de juros mais alta. E esse negócio fica mais apertado num ambiente de baixas taxas de juros: os juros que os bancos podem impor nos empréstimos são puxados para baixo, mas as taxas sobre depósitos só podem ir tão baixo. A margem líquida de juros — a diferença entre a taxa de juros que os bancos cobram nos empréstimos e a taxa que eles pagam nos depósitos — caiu vertiginosamente nos últimos cinco anos.
A resposta apropriada dos gestores da política monetária a esta observação deveria ser: “E daí?”. Não há motivo para crer que o que é bom para os banqueiros é bom para os EUA. Mas os banqueiros são diferentes de mim e de você: eles têm muita influência. Autoridades monetárias se reúnem com eles o tempo todo, e muitas vezes têm a pretensão de aderir a eles quando estiverem do outro lado da porta. Além disso, é amplamente sabido que os banqueiros são especialistas em política econômica, embora nada na história apoie essa ideia (os banqueiro têm, no entanto, excelentes alfaiates).
Portanto, não deveríamos nos surpreender ao ver instituições que servem aos banqueiros, sem mencionar boa parte da imprensa financeira, elaborarem intricadas justificativas para defender um aumento das taxas de juros que não faz sentido do ponto de vista básico da economia. E o debate dos últimos meses — no qual o Fed pareceu estar estranhamente ávido por elevar os juros apesar de alertas de pessoas como Larry Summers, de que seria um terrível erro — sugere que até mesmo as autoridades monetárias americanas não estão imunes.
Mas o Fed fez a coisa certa na semana passada: nada. E o uivo dos banqueiros deveria ser tomado não como razão para reavaliar a decisão, mas como uma demonstração de que o clamor por juros mais altos não tem nada a ver com o interesse público.

*Paul Krugman, vencedor do Prêmio Nobel de Economia, é colunista do “New York Times”

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