Jean Wyllys estreia programa sobre cinema e quer a 'desconstrução de preconceitos'
Jean Wyllys estreia seu programa "Cinema em Outras Cores", no Canal Brasil, nesta quinta-feira (13). Com uma trajetória ligada à escrita, o baiano apresenta agora o programa de entrevistas voltado à discussão de curtas-metragens com temáticas como diversidade sexual e drogas. Diretores, atores e outros envolvidos nas produções são convidados a discutir as obras e os temas que as circundam em 13 episódios da primeira temporada. O jornalista e professor ficou conhecido nacionalmente após vencer a quinta edição do Big Brother Brasil e atualmente foi reeleito deputado federal (PSOL-RJ). Em entrevista, ele conta detalhes do programa, como concepção e escolha dos filmes, além de sua relação pessoal com cinema e sua opinião sobre a produção baiana, presente em dois curtas da atração. Na visão do deputado/comunicólogo, o programa tem a missão da "desconstrução de preconceitos". "O audiovisual tem um papel fundamental na educação do nosso povo, nas suas visões de mundo, então eu quero, com esse programa, levar pra eles outras representações dos modos de vida LGBT, sobre as drogas, que não sejam representações que “Bocão” e outros programas similares fazem, outros olhares sobre os problemas do Brasil"
Bahia Notícias: Como surgiu a oportunidade de gravar esse programa? Foi uma proposta sua ou convite da emissora?
Jean Wyllys: A emissora me convidou. Foi Paulo Mendonça, diretor do Canal Brasil, que me chamou e disse “temos uma faixa aqui e a gente quer você”. Na verdade, o Canal Brasil me paquera há muito tempo. Houve uma primeira tentativa de fazermos um programa, que se chamava “Armário Embutido”. A gente chegou a gravar o piloto do programa, eu e o Luiz Carlos Lacerda, o “Bigode”, que é um cineasta diretor de “For all”, “Leila Diniz”, “Viva o Sapato” e um monte de filmes. Era um programa de entrevistas, mas acabou que não deu certo. Chegaram a exibir o piloto no Dia Internacional do Orgulho Gay, em 2008. Acabou não dando certo porque o Canal Brasil teve dificuldade para fechar a grade e por conta de patrocinadores, não fecharam com todos os patrocinadores que eles imaginavam. De lá pra cá, eu participei de uma série no Canal Brasil, com a Simone Zuccolotto, que é uma repórter. Ela fez uma reportagem em série sobre a maneira como os homossexuais são representados no cinema brasileiro, e eu fui uma das fontes, em 2009. Dessa vez eles montaram a grade, o Paulo reservou um espaço e disse que eu tinha liberdade para criar um programa. Como essa faixa que ele me deu era a faixa do antigo Cine Mix, do André Fisher, eu resolvi criar algo que tivesse a ver com a faixa que havia antes, voltado pra o cinema LGBT.
BN: Então a concepção do programa foi sua.
JW: Todinha. A concepção do programa foi minha, o nome fui eu que dei, o roteiro fui eu que escrevi, a apresentação é minha. Eu sentei com eles e concebi o programa, a ideia, o que eu queria fazer. A partir daí, começou a engrenar. Veio o cenógrafo e criou o cenário. Eu escolhi o Paulo Fontenelle pra ser o diretor. Ele é um diretor de cinema, de documentário, de shows e um cara que gosto muito. Eu tinha assistido a um documentário dele, “Loki”, achei bacana e convidei ele. Então foi isso. Eu quis, na verdade, criar um programa que abrisse espaço para a produção audiovisual - não é só cinematográfica, é audiovisual - da comunidade LGBT ou das pessoas que representam a comunidade LGBT nos seus filmes. Muitas vezes, não tem espaço na televisão. Muitas pessoas fazem filmes pra si e que acabam participando de pequenos festivais, e não têm outro local de exibição. Outros fazem filmes que bombam na internet, que não chegam aos festivais ou cineclubes. Então eu queria um espaço que abrigasse toda essa produção. Eu queria que o programa fizesse uma espécie de “rede das mídias”, que ele não ficasse só na TV, então o programa continua na internet. No episódio, por exemplo, eu exibo o curta e entrevisto o diretor, ator ou quem quer que seja, e a gente começa a entrevista, mas aí ela é interrompida, e eu continuo na internet. Eu convido as pessoas a continuarem com a gente na internet. Eu quis fazer uma “rede das mídias” e quis trabalhar com as múltiplas telas: a tela da TV, do iPad, do iPhone, da própria câmera… Então a direção brinca muito com isso. Há na abertura uma parte em que eu me filmo, como se fosse fazendo um selfie, uma imagem de mim mesmo. A gente quis aproveitar essas novas tecnologias da comunicação e da informação que ampliaram bastante a possibilidade de fazer cinema, radicalizaram o mote do cinema novo, de Glauber Rocha. Ele dizia que bastava uma câmera na mão e uma ideia na cabeça para se fazer cinema. As novas tecnologias, celulares, câmeras digitais cada vez mais precisas, com alta definição, ampliaram bastante a possibilidade das pessoas fazerem cinema, representarem a si mesmas e também seu modo de vida. O programa também é para atender a essa geração. Foi aí também que pensei no título. Eu cheguei a pensar em só “Cinema em Cores”, mas não é só isso, é “em Outras Cores”. É um cinema que é instintivo mesmo tematicamente, do ponto de vista da linguagem, por ele ter uma liberdade entre documentário e ficção, entre os gêneros do cinema.
O novo programa do Canal Brasil conta com 13 curtas na primeira temporada
BN: Houve algum motivo específico para a escolha da linguagem audiovisual?
JW: O fato de estar na TV. Eu sou um cara que escrevo muito, minha atividade é a palavra. Até sair do Big Brother, por exemplo, eu era um jornalista de impresso. Minha vida inteira foi como jornalista de impresso, e eu gostava. Nunca me achei com a estética necessária pra se trabalhar na TV. Então eu tive essa experiência com o “Mais Você”, trabalhando espontaneamente como autor-roteirista do programa e como repórter especial. Depois dessa experiência, voltei à escrita. Quando o Paulo Mendonça me convidou, ele disse “Jean, você não pode estar fora da TV por ter uma facilidade para falar com o grande público, você sabe destrinchar temas complexos de maneira mais simples de forma que as pesosas entendam. Você tem um carisma. Eu quero que você venha pra cá”. E já que eu estou em um espaço de audiovisual, a televisão, eu quero abrir um espaço pra esse audiovisual que representa a diversidade humana. Não só o audiovisual feito por cinema mesmo, com exibições, mas também esse audiovisual mais livre, gravado por essas câmeras, que foram feitos para YouTube. Eu queria aproveitar toda esse linguagem audiovisual, colocando como recorte o fato de representar a diversidade humana cultural, sexual.
BN: E como foi feita a escolha dos filmes?
JW: Confesso que essa foi a parte mais difícil. A primeira temporada tem 13 episódios - provavelmente vai ter uma segunda temporada, a gente já está conversando sobre isso -, então eram 13 filmes, e eu tinha um universo muito grande de filmes que eu já conhecia, de filmes que me foram indicados por amigos, principalmente dos meninos que fazem o Cineclube LGBT aqui do Rio de Janeiro e sugestões que me chegaram pela internet. Selecionar foi muito difícil, eu tive que deixar muita coisa de fora. Usamos alguns critérios: de serem premiados ou não, do conteúdo, quando tinha a ver com a proposta do programa, a circulação por festivais, o conteúdo em si, se é mais ou menos realizado. Tem coisas que são muito amadoras. Nada contra o amadorismo, mas tinha que ter uma certa poética ali. Ao mesmo tempo, eu não queria que os temas se repetissem, nem o diretor. Daniel Ribeiro, por exemplo, tinha dois excelentes curtas, mas aí eu tirei um dele e coloquei outro no lugar. Edson Bastos, o baiano, tinha dois interessantes, mas eu optei por colocar “Joelma”. No caso desse curta, foi curioso porque eu vi a peça com Fábio Vidal, em uma das minhas visitas a Salvador. Eles usam trechos do curta na peça, então escolhi ele. Alguns que ficaram de fora vão ser aproveitados na segunda temporada e virão novos, porque já tem muita gente produzindo novas coisas.
BN: Além de “Joelma”, também tem “Jessy” entre os curtas baianos. Como você vê a produção cinematográfica na Bahia, principalmente relacionada a esses temas?
JW: Atualmente tem muita gente fazendo isso aí, eu fiquei feliz. Eu acho que a gente não tem muitos espaços de circulação dessa produção. Eu posso estar enganado, mas não conheço nenhum cineclube LGBT em Salvador. Eu fiquei muito feliz com essa produção, porque tem uma galera que tá saindo de Comunicação e até mesmo de outras áreas e são engajados. Tem uma galera tanto da minha geração quanto da novíssima geração que está produzindo e isso me deixa feliz, até porque a Bahia tem Glauber Rocha. Ele estruturou o cinema no Brasil, renovou a linguagem e marcou profundamente o cinema até hoje. De alguma maneira, Walter Salles bebe na fonte do Cinema Novo. Eu fiquei feliz com a produção na Bahia, ainda que eu ache que as políticas de fomento do audiovisual tenham que ser mais incrementadas.
"Joelma", de Edson Bastos e Fábio Vidal, é um dos curtas baianos que integra a primeira temporada do programa
BN: Qual a sua aproximação anterior a esse programa com o cinema?
JW: Eu vou citar uma frase do Roland Barthes que eu amo: “esse sujeito que vos fala gosta de sair do cinema”. Eu sou expectador de cinema antes de tudo, gosto de cinema. Quando eu fui aluno da Facom [Faculdade de Comunicação da Ufba], uma das matérias que fiz que eu adorei foi Linguagem Cinematográfica, com Danilo Brasil. Eu me dediquei bastante a ler os livros, a escrever roteiro. Eu hoje escrevo roteiro. Qualquer pessoa que escreva roteiro para a TV tem uma relação com cinema. Quando eu era professor da Faculdade Jorge Amado [atual Unijorge], com o Danilo Scaldeferri e Amaranta Cesar, a gente coordenou o Núcleo de Mídia e Cidadania, que eu acho que nem existe mais desde que eu saí. Foi um grupo que eu e a Amaranta criamos, Danilo veio depois, e era um núcleo de formação de documentaristas, de recursos técnicos até uma educação audiovisual. Essa é minha aproximação, o cinema sempre foi uma coisa que esteve em minha vida e que sempre me interessei. E eu sou um cara da Comunicação, que se dá pela palavra, escrita e oral, audiovisual, então me interessa esse universo.
BN: E qual é o objetivo principal de debater esses temas por meio dessa linguagem?
JW: A transformação das pessoas, o progresso espiritual delas, a desconstrução de preconceitos. A gente vive em um país de pouquíssimos leitores. O público leitor de livro no Brasil é muito pequeno. O mercado editorial é pequeno porque há poucos leitores. É lamentável, mas a média de leitura dos brasileiros é algo chocante, então a maioria do povo brasileiro se informa pela televisão. O audiovisual tem um papel fundamental na educação do nosso povo, nas suas visões de mundo, então eu quero, com esse programa, levar pra eles outras representações dos modos de vida LGBT, sobre as drogas, que não sejam representações que “Bocão” e outros programas similares fazem, outros olhares sobre os problemas do Brasil. Pra citar Caetano Veloso, “outras conversas, outras conversas sobre o jeito do Brasil”. Essa frase que eu tô citando é da música “Cinema Novo”, do disco “Tropicalia 2”. O Cinema Novo no Brasil quer ser essas outras conversas, trazer outras representações. Pra quem está habituado a ver os homossexuais representados apenas no “Zorra Total”, ou a representação mais tímida, mais higiênica da telenovela, trazer a representação do cinema, que é mais radical, que não tem compromisso com um mercado publicitário e, portanto, traz uma representação mais contundente. Em uma das peças de divulgação do programa, o Canal Brasil usou uma fala do Joaquim Pedro de Andrade, quando ele respondeu a uma pergunta “por que você faz cinema?”, que o jornal francês Libération faz a ele. A resposta dele foi usada em uma peça de divulgação do “Cinema em Outras Cores”, que é “para chatear os imbecis; para não ser aplaudido depois de sequências dó de peito; para viver à beira do abismo, para correr o risco de ser desmascarado pelo grande público; para que conhecidos e desconhecidos se deliciem; para que os justos e os bons ganhem dinheiro, sobretudo eu mesmo; porque vi ‘Simão no Deserto’ - que é um filme -; para ver e mostrar o nunca visto, o bem, o mal, o feio e o bonito; para insultar os arrogantes e poderosos quando ficam como cachorros dentro d’água no escuro do cinema”. Então é isso, o cinema não tem um compromisso publicitário, então ele pode representar a vida com o que ela tem de bonito e de feio. Tem um filme, por exemplo, que é contundente, “Quem Tem Medo de Cris Negão?”, que faz parte da programação. Não é um filme que você vai ver na televisão pela própria natureza dele. O que eu quero é educar as pessoas, derrubar preconceitos, levar outros olhares.
BN: Falando em preconceito, o anúncio da estreia do programa gerou muitapolêmica nas redes sociais. Qual a sua visão sobre essas críticas e manifestações tão raivosas?
JW: Tem várias questões concorrendo pra isso. A primeira delas foi que houve um ataque à página do canal por fundamentalistas religiosos, orquestrado por Silas Malafaia e sua trupe. Eles souberam que era um espaço para o cinema LGBT, então decidiram atacar e criar uma falsa sensação de que o público estaria rejeitando o programa. Só que a gente já é gato escaldado, já sabe que eles agem assim. Eles fizeram isso com a novela “Salve Jorge”, houve um ataque à página da Rede Globo por conta da referência a São Jorge. Houve vários ataques nesse sentido, então a gente já sabe. Tinha também o fato de que o anúncio da estreia do programa veio na sequência da eleição do segundo turno, em que houve uma grande polarização, e eu votei na Dilma [Rousseff]. Os fascistas e ultra-direitistas, que estão à extrema direita, votaram no Aécio [Neves]. A extrema direita estava revoltada com a vitória da Dilma, basta ver os ataques que os nordestinos sofreram. E não foram ataques só de imbecis. O Diogo Mainardi, do Manhattan Connection, fez uma ofensa absurda aos nordestinos. Então esse clima acabou contaminando também o anúncio da estreia, e muita gente foi me ofender por isso. Porque eu apoiei a Dilma, entrei de cabeça na campanha dela no segundo turno e tenho minhas razões pra isso. Sou oposição ao governo do PT e continuarei sendo oposição, mas sou uma pessoa com discernimento e conhecimento. Eu jamais poderia estar do lado de Aécio Neves com as figuras que ele congregava em torno dele, os fascistas, os homofóbicos, os fundamentalistas religiosos, Eduardo Cunha, Magno Malta, Feliciano, Bolsonaro… Com essa gentalha que estava em torno dele, eu jamais poderia estar do mesmo lado. E por fim, tem uma inveja, um ressentimento de pessoas que simplesmente se incomodam com o sucesso e conquistas alheias. Juntou essas três coisas, e eles foram atacar. Só que isso fez um bem enorme, o programa foi o maior sucesso antes mesmo de começar. O Paulo Mendonça me ligou super feliz e falou “Jean, nós perdemos 230 seguidores revoltados com essa questão toda e ganhamos 510 novos seguidores, no mesmo dia, de pessoas interessadas no programa”. Então foi o sucesso, porque gerou uma mídia espontânea, um debate, pessoas que defendiam o programa estavam tão apaixonadas quanto as que foram pra lá atacar. Isso é muito bom, eu gosto de não ser unanimidade, de provocar polêmica. Como diz a fala do Joaquim Pedro de Andrade, “a gente faz cinema para chatear os imbecis".
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