A tataraneta de Ruy Barbosa é atriz da Globo e todo santo dia sai no site da emissora. Nesta terça o site dizia que “Marina Ruy Barbosa revelou sua versão pão-dura”. Segundo o jornal, “a ruiva também falou sobre a controvérsia do silicone”.
Um dia é cabelo; no outro, o silicone. Mas a controvérsia que aqui interessa é a linguística. Perguntada se é consumista, ela respondeu “Não, sou até meio pão-dura” – e o tataravô deve ter se revirado no túmulo e feito umas orações à moça.
Segundo descreveu o site, ela vestia camiseta de R$ 360, usava saia de R$ 600, pulseiras de R$ 1.900, gargantilha de R$ 270 e um colar de R$ 650. Embora faltem outros itens, só aqui vão R$ 3.780 - nada mal para uma “pão-dura”.
Em seu livro “A Casa da Mãe Joana”, Reinaldo Pimenta informa que a expressão “pão-duro” surgiu no Rio de Janeiro, onde, no século passado, um homem vivia nas ruas pedindo coisas para comer. - Nem que seja um pão-duro – dizia o pedinte.
No dia em que ele morreu, descobriu-se que possuía imóveis e dinheiro. Ou seja, apesar de ter grana, ele preferia pedir a ter que tirar do bolso. Foi assim que teria surgido a expressão “pão-duro”, como sinônimo de sovina, mão-segura, “mão-de-vaca”.
A avareza, que é um dos sete pecados capitais, possui mil e um sinônimos na fala popular: é murrinha, é muquirana, é fominha, é come-unha, é canguinha. Tivesse nascido na Bahia, como seu tataravô, Marina talvez respondesse:
- Oxente, rapaz, eu sou até meio casquinha.
Em rápida pesquisa no Google, vi que três grandes autores brasileiros cometeram esse pecado gramatical. Num trecho de “Dois Irmãos”, de Milton Hatoum, o narrador diz: “Estelita Reinoso, a única realmente rica, era a mais pão-dura”.
No livro “Entre Moisés e Macunaíma”, de Moacyr Scliar e Márcio Souza, este último autor: “Assim, os cristãos enchem o túmulo de flores, acusando os judeus de gente pão-dura por colocar ali meros pedregulhos”.
Em “A doçura de Mel”, o imortal Arnaldo Niskier, da Academia Brasileira de Letras, escreveu o seguinte na apresentação da obra: “Não que ela seja pão-dura, daquele tipo que quer tudo para si”.
Sobre o livro de Hatoum, pode-se dizer que a voz narrativa não é do autor, mas sim do personagem Nael, um agregado, filho da empregada. Nos outros dois (Márcio Souza e Arnaldo Niskier) a narração é dos próprios autores.
Por fim, sendo tataraneta de quem é, e estando nas companhias de quem está, quem é doido de criticar a moça? O que fico a imaginar é o seguinte: e se este “pão-dura”, em vez de ter sido usado pela atriz e publicado por O Globo, fosse dito por Dilma Rousseeff?
(Marcelo Torres - marcelocronista@gmail.com)