MARCELO TORRES
Quando menino, era muito perguntador. Por que a Terra gira? E a professorinha, coitada, sem muitos recursos, tinha que se virar como podia.Professora, se o plural de cão é cães, por que o plural de mão é mãos - e não mães? E se o de mão é mãos, por que o de pão é pães - e não pãos?Cão, cães. Pão, pães. Mão... Mães!Para ser sincera, a professora quase sempre dava uma de Chicó, aquele personagem d’O Auto da Compadecida: - Não sei, só sei que é assim.O padre aparecia lá em casa. - Por que Deus deixa o bebezinho morrer, padre? E o homem de Deus gastava todo seu latim, falava até javanês, para explicar ao moleque.- Vocês precisam botar esse menino no catecismo! Urgentemente!E por que o mágico do circo – aquele circo velho, sujo e de lona rasgada - não fazia uma mágica criando um grande castelo para toda a simpática companhia?Agora, eu é que tenho que me virar, não necessariamente em Chicó, para responder ao Lucas. Papai, qual a capital da Austrália?Assim, de supetão, quase digo Sydney ou Adelaide, mas logo lembro do belo nome: Camberra.- E do Canadá? Vancouver, Toronto ou Montreal?- Quer me pegar, né, sabidinho? A capitá do Canadá é Otava.- Ó-tôá, papai! Ó-tôá.Ontem Lucas acordou com a periquita, ou melhor, com as periquitas, já que passou a perguntar sobre os plurais.- Papai, qual é o plural de vilão?- Vilões, vilãos e vilães.- Todos três?- Sim, as três formas são aceitas, Luquinha.- Por quê?Sorri, enquanto buscava uma resposta, lembrando da professora, do velho Adauto lembrando do padre, lembrando de Chicó e já quase dizendo "Não sei, só sei que é assim".Como falar de exceção? De formas irregulares? De anomalias na morfologia? Formas consagradas pelo uso?Como explicar por que há exceção nuns casos e não há em outros? Por que um uso popular é aceito e outro não é aceito?Bom, enquanto eu espremia os miolos buscando uma saída, um jeito de explicar, ele mesmo achou uma resposta, na verdade uma nova pergunta.- É por que existem três tipos de vilão nas histórias, não é, papai?Só me restou ficar sério, para não dizer sem graça, e responder que sim, há muitos tipos de vilão nas histórias.Depois achei que ele perguntaria o plural de sultão, ermitão e ancião, pois eu já estaria com os aõs, ões e ães na ponta da língua, mas ele veio com outra dúvida:- Papai, qual é o plural de mel?Confesso, meus amigos, que fiquei em dúvida. Existe plural de mel? Chicó não tinha como me ajudar, consultar o Iphone seria uma desmoralização.Foi aí que me baixou um santo, o sopro de um caboco, me lembrando que o plural de gel tanto pode ser géis como pode ser geles.- O plural de mel – disse eu, para impor um ar solene e ainda ganhar um tempinho. - O plural de mel tanto pode ser méis como meles.Ele calou, consentindo, satisfeito, enquanto eu, disfarçando a incerteza, abria o iPhone para que São Google não me deixasse mentir.Estavam lá: géis e geles.Pois é, meus amigos, vou ter que estudar mais. Vai que uma hora dessas ele resolve perguntar o plural de dez. No futebol, ele vê, cada time tem um jogador camisa dez.Bom mesmo seria fazer uma citação de Guimarães Rosa, que botou lá no início dos Grandes Sertões: "Pãos ou pães, é questão de opiniães".Menino tem cada arte...
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