A Barra, os berros, as birras e os burros (esclarecendo o ‘Salvador criado com vó’)
*Por Igor Adorno
Olá, querido e mal-humorado leitor! Como vai essa força? E o analfabetismo funcional? Calma, calma! Cadê aquele sorrisão criado com danoninho? Relaxe um pouco, sentaí e vamos conversar. Numa postagem anterior (‘Salvador criado com vó’, ou com Neto, enfim) falei de minha insatisfação com o modo de vida da classe-média desta cidade, a sanha com que se impõem em todos os espaços estabelecendo hierarquias, gritando aos quatro ventos que são “os melhores” (mas não muito alto senão a asma ataca. Pega a bombinha!). Daí, vejo comentários enfurecidos, espumantes, dentes trincados. Tudo bem, até gosto disso, mas o ponto é que vocês me leram mal. Não é um texto contra o prefeito e sua administração mas sim um texto sobre o espírito dessa cidade (ou a falta dele).
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Sobre minhas queixas a respeito da Barra, vejam, separemos melhorias estruturais de escolhas estéticas. As primeiras dizem respeito a providenciar caminhos mais salubres para a vida das pessoas, a segunda serve como um “termômetro” do espírito da época, do lugar. Os pontos que salientei diziam respeito ao“bonito” ou “feio” em jogo. O Estético, obviamente, não é um tema menor, e minha questão gira em torno das formas que assumiu a nova Barra, a que tipo de sensibilidade ela serve, ou melhor, “bonito pra quem?”Beleza é Identidade, se não sabem, é o que há de característico em um povo expresso em formas, são seus valores. Mudam? Sim, mas não de modo grosseiro e artificial.
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A cara que a cidade está assumindo é a cara de uma classe-média que se compraz com seus distintivos sociais, seu dinheiro, sua “elegância” clichê, pastiche de tudo o que se faz no Sudeste do país. Independentemente de qualquer juízo de valor sobre os hábitos da famigerada classe, há o fato de que, dada a história de Salvador, seus fetiches não nos servem de tradução a ponto de justificar alterações físicas na cidade, voltadas a satisfazer um mercado imobiliário que abastece seus anseios de consumo. Seus hábitos, expressão de um cosmopolitismo ingênuo, são consequência de um apagamento de idiossincrasias, de ignorar a própria história.
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A classe-média de Salvador parece com a classe-média do Rio de Janeiro, que parece com a de São Paulo, que parece com as classes médias do mundo. Essa uniformização de hábitos e gostos tende a suprimir o dado local, a história do lugar em nome de hábitos de consumo “universais”, anula o homem criativo. Você,ignorante e cheio de má vontade não deve estar nem aí, ofendido com meu tom “desaforado”, pensando“Quem ele pensa que é pra falar assim comigo?! Quero falar com o gerente!!”, mas isso tudo é mais importante que eu e você e juro que sempre te amarei. Juro!
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As escolhas estéticas que questiono se fazem visíveis nos condomínios de luxo que se espalham pela cidade, é uma arquitetura “gourmet”, cheia de cacoetes, tentando fazer o cliente se sentir rico enquanto os arquitetos enriquecem produzindo Kitsch. Nada contra o dinheiro, eu gosto. O problema é sacrificar as possibilidades criativas da profissão em nome de camarotes e carros de luxo. Essa lógica foi transplantada pra Barra. A rigor, só tem o direito de influir na história sedimentada da cidade o homem criativo capaz de dar o próximo passo nessa mesma história e não o homem de gosto mediano interessado no sorriso das grã-finas. Tá, tá, vocês não vão entender. Pensem na Casa do Comércio, dos arquitetos Jáder Tavares, Otto Gomes e Fernando Frank, no Palácio Tomé de Souza, sede da prefeitura, do arquiteto João Filgueiras Lima, o Lelé. São obras que ganharam o direito de fazer parte de nossa história. Nada de gourmet. Arte.
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Não há no que escrevi, no texto anterior, nada que possa ser tomado como hostilidade de cunho partidário ao prefeito. Não sou “de esquerda” como alguns sugeriram, nem “de direita”. Digamos que eu seja um “agente do caos”, um perturbador da paz gente boa, que você poderia apresentar à sua mãe. A prefeitura, até onde vejo, no máximo, compactua com o (sem) gosto dos homens e mulheres que exalam uma atmosfera esnobe, agindo como a expressão dos valores dessa época, carregando consigo uma visão de progresso que é bem pouco humanística porque pautada no acúmulo de distintivos sociais, no dinheiro, na tentativa de fortalecer a convicção de que “somos quase Leblon” (o anseio mais profundo das grã-finas da Barra). Dizer o que disse não é ser hostil ao prefeito, dado que para reconhecer seus méritos não preciso manter postura acrítica. Fui seu eleitor e tenho o direito de acompanhar e me manifestaracerca de sua gestão.
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Fui acusado, dentre outras coisas, de ser um preconceituoso. Todos somos, ora bolas. Preconceitos são úteis mas tem prazo de validade, pelo menos para as pessoas inteligentes. Não escolhemos acreditar no que acreditamos mas se surge um bom motivo para desacreditar, desacreditemos. Um preconceito, mais do que uma “concepção prévia de algo, anterior à sua experimentação” diz respeito a uma visão de mundo sujeita a mudanças. A rigor, tudo o que temos na cabeça é “preconceito”, visto que pode mudar com o advento de informação nova.
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O problema com um preconceito é se ele nos permite enxergar a vida com alguma acuidade. Alguns são mera estupidez, como aquele que te impede de aceitar sua filha de bochechas rosadas namorando um negão da Liberdade – a menos que ele seja famoso. Outros são úteis até segunda ordem, e não devem passar disso. Pois bem, eu ainda acho a classe-média dessa cidade um tédio, cheia de vícios que o dinheiro pode comprar, com um ar blasé de quem finge saber usar os talheres (mas tem dificuldades de interpretação de texto). Generalização? Sim. A carapuça é tamanho M, tem pra quem quiser.
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Você, habituado com a máxima “o cliente tem razão”, numa sociedade em que se pode comprar tudo, passou a se sentir cliente do mundo e, como cliente, espera ser bajulado. Tais expectativas, as de que não será contrariado nem mesmo pelo texto de um desconhecido na Internet, exibe suas fraquezas e, daqui, sinto o mau cheiro do seu esnobismo ao desprezar algo por supor que já entende. Meu papel, querido leitor, mais do que te fazer um cafuné, é te fazer pensar. Imagino que tenha encenado seu horror nas redes sociais lamentando o atentado ao jornal Charlie Hebdo, bradando seu amor à liberdade de expressão. Não vai se incomodar com minhas piadas, né? Discorde de mim, se posicione, mas como adulto, sem espernear com seu título na mão. Eu posso estar errado, reza a lenda. Estou aqui para promover o mal estar no coração dos baianos de pouca inteligência. Você vai me chamar de arrogante. Eu direi que, até que seja capaz de fazer o que eu faço, o arrogante é você.
*Igor Adorno é mestrando em Filosofia pela Universidade Federal da Bahia (Ufba), encrenqueiro profissional, filósofo nas horas vagas. Gosta de ver o circo pegar fogo porque não vai com a cara do palhaço.
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