Você sabia que a maior
parte das células do seu corpo não é humana?
Tatiana Pronin
Do UOL, em São Paulo
Do UOL, em São Paulo
20/01/2015
Micróbios infestam nosso corpo: mas sem eles,
ninguém é tão humano
É de
deixar qualquer um espantado: 90% das células presentes no nosso corpo não são
humanas. Em outras palavras, você é muito mais micróbios do que você mesmo.
Esses "invasores", embora "invisíveis", são fundamentais
para o nosso equilíbrio. Mas qualquer deslize nesse ecossistema pode causar
doenças, muitas delas graves. Por isso, não se descuide: o perigo mora dentro
de você e também fora, na superfície da sua pele.
Especialista
no tema, o pesquisador Luis Caetano Antunes, da Escola Nacional de Saúde
Pública Sergio Arouca, da Fundação Oswaldo Cruz, explica que os seres humanos
são colonizados por mais de 35 mil espécies diferentes de bactérias, segundo
algumas estimativas. "Lembrando que esse número não leva em conta vírus,
protozoários etc", esclarece.
Considerando
apenas um indivíduo, a estimativa é de mais de mil espécies diferentes.
"Já se você considerar cepas (que são indivíduos pertencentes à mesma
espécie, mas com características peculiares), esse número sobe para mais de 7
mil", diz. Se você pudesse colocar todas elas numa balança, os ponteiros
marcariam aproximadamente 1 kg, uma vez que as células das bactérias são bem
menores que as humanas.
Essa
microbiota (flora
e fauna microscópica de uma região) é formada assim que chegamos ao
mundo. Antunes afirma, inclusive, que bebês nascidos por parto normal têm
micróbios diferentes daqueles que nascem por cesariana, pois o contato com o
canal vaginal da mãe funciona como um "primeiro banho" de
micro-organismos.
Intestino é albergue
Apesar de
se estabilizar depois que a pessoa completa 1 ano de idade, a população de
micro-organismos está sempre em evolução, graças ao contato com o ambiente
externo. Assim, a variedade e a quantidade são maiores em locais mais expostos,
como boca, pele, olhos, estômago, intestino, tratos respiratórios, genitais e
urinários.
A parte
do nosso corpo mais colonizada é de longe o intestino, com 70% do total de
bactérias, segundo o pesquisador. "Um dos motivos é que o intestino possui
uma quantidade grande de nutrientes para as bactérias. Além disso, ainda
existem secreções, células humanas mortas etc", diz Luis Caetano Antunes.
O
especialista também chama atenção para o tamanho desse órgão, que é cheio de
vilosidades (dobras, basicamente). "O intestino humano, quando esticado,
tem área equivalente a uma quadra de tênis, ou cerca de 200 metros
quadrados", informa.
Médicos,
cientistas e nutricionistas têm alertado para a importância da microbiota
intestinal. Não é à toa que produtos com lactobacilos se tornaram mais comuns
nas prateleiras dos supermercados.
Antunes
descreve três funções principais desse exército de micróbios. A primeira é a
nutrição: "Os micro-organismos intestinais auxiliam na degradação de
nutrientes que o ser humano, sozinho, não conseguiria degradar", diz. Além
disso, eles produzem substâncias, como vitaminas, que nós não produzimos, e
afetam as células para que elas consigam extrair mais energia da dieta.
A segunda
é treinar o sistema imunológico, fazendo-o identificar o que representa ou não
uma ameaça ao nosso organismo. "Um exemplo dessa função vem da observação
de que hoje em dia as taxas de doenças relacionadas ao sistema imune (doenças
alérgicas, principalmente) está muito mais alta, e isso tem sido associado ao
uso indiscriminado de antibióticos, aumento no número de partos por cesariana e
excesso de limpeza", comenta o pesquisador.
A
terceira (e não menos importante) missão da microbiota é nos defender contra
agentes nocivos. "Sem as bactérias naturais do nosso corpo ficamos muito
mais vulneráveis aos ataques de bactérias perigosas", garante Luis Caetano
Antunes, lembrando que há uma série de infecções que são mais comuns em pessoas
com histórico de uso recente de antibióticos. "Eles matam as bactérias
inofensivas, abrindo espaço para que outras bactérias invadam o nosso organismo
e causem doenças."
Boca cheia
Um dos
primeiros cientistas a observar a existência de comunidades de bactérias em
nosso corpo foi o holandês Antonie van Leeuwenhoek, que no século 17 analisou
um raspado da superfície de seus dentes e descobriu um grande número de seres
vivos minúsculos.
Uma
organização também holandesa, chamada TNO, divulgou recentemente, após um
estudo, que nossa boca abriga cerca de 700 variedades diferentes de bactérias.
Os pesquisadores descobriram que um único beijo de língua é capaz de transferir
80 milhões de bactérias de uma boca para outra. Os
dados foram publicados na revista Microbiome.
Algumas
pessoas podem ficar enojadas, mas a verdade é que beijar pode ser uma maneira
de fortalecer o sistema imunológico, tomando por base a lógica descrita pelo
pesquisador da Fiocruz.
Pele que habito
Se os
micróbios do intestino representam um exército estratégico dentro do corpo, os
que habitam nossa pele são a linha de frente. "É a armadura que nos
protege contra agentes externos", considera o médico Jayme de Oliveira
Filho, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia.
Assim
como na selva a falta de leões pode levar ao excesso de zebras, qualquer
desequilíbrio na microbiota da pele pode levar a problemas variados. A
integridade pode ser afetada por banhos longos e quentes, e até pelo uso
excessivo de álcool em gel e sabonetes antibacterianos. "Se você usa um
produto que promete matar 99% das bactérias, ainda sobrarão muitas, mas você pode
matar aquelas que são úteis à pele", diz o médico.
Tomar
muito sol sem filtro também é uma forma de agredir a cútis. É por isso que
muita gente tem crises de herpes labial, doença provocada por vírus, depois que
volta da praia. Ou adquire manchas nos braços e nas costas (pitiríase
versicolor), provocadas por um tipo de fungo. O médico avisa que algumas
famílias são mais predispostas a certos tipos de micro-organismos. Se a
integridade da pele é afetada, você pode desenvolver um problema que nunca
havia aparecido antes. E, acredite, pode até pegar gripe com mais facilidade.
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