MARCELO TORRES
Meus leitores, gozadores e esculhambadores: estava eu aqui buscando um assunto para uma crônica, quando recebi um e-mail que relatava uma notícia triste e trágica: “Homem leva coice e morre ao tentar namorar jumenta”.
O fato aconteceu nos fundos da igreja de Patos-PB, onde um homem tentou abusar sexualmente de uma jega. Apesar de ter o nome de Mimosa, a jumenta, em legítima defesa, deu um coice no cidadão; este não resistiu, e morreu.
Depois de ler essa notícia, sabem onde eu fui amarrar minha jega? Nos dicionários. Perdi horas e horas em busca da palavrinha 'jega'. Mas, para minha surpresa e decepção, o pai dos burros não reconhece a jega.
Você vai ao Aurélio e vê que o mais famoso pai dos burros não registra a jega. O Houaiss é outro a ignorá-la. O Aulete? Esse nem se fala! O dicionário da Academia Brasileira de Letras? Não, jega não entra lá; pode entrar burro, coelho, marimbondo, tudo - menos jega.
Uma frustração, sem dúvida. Eu esperava ler um verbete mais ou menos assim:
“Jega. Substantivo feminino. 1. No Norte, Nordeste e Centro-Oeste, sinônimo de jumenta; o feminino de jumento; fêmea do jegue. 2. Na gíria policial, a cama dos presidiários. 3. [Fig.] No interior do Nordeste, mulherão. 4. [Bras. NE,BA] O exemplar avantajado de uma fruta".
Quem foi menino no interior do Nordeste sabe bem o que é uma jega. Ela foi a iniciação sexual de sete em cada dez moleques criados em cidades pequenas. Meu irmão do meio vivia chamando as jumentas de 'Donas Jeguelinas', e dava a elas o singelo epíteto de “as meninas de quatro tamancos”.
Ora, minha gente, a jega já foi cantada por Luiz Gonzaga, o pernambucano de Exu. Quem também cantou a jega foi Tom Zé, um baiano retado de Irará; até Gilberto Gil, que nasceu e se criou em Salvador, já fez versos para ela. Mas o baiano que mais explora a jega é, sem dúvida, João Ubaldo Ribeiro.
No conto Já Podeis da Pátria Filho, Ubaldo escreveu: “Um japonês adentra a grande área, gritando como uma jega deflorada...” Em Sargento Getúlio: “Amaro, todo suado, parece uma jega enxertada”. Em Viva o Povo Brasileiro, está lá: “Entram na barriga de uma cabra ou jega ou ovo de galinha...”
No despudorado relato de A Casa dos Budas Ditosos, há um trecho que diz assim: “Só uma pessoa de sangue de barata não fica excitada quando vê o jegue subir com aquele vergalho imenso em riste, montar na jega, morder a nuca dela...”
Gilberto Gil, na música Fé na festa, compôs: “Se esporo mais nossa jega/ A bichinha escorrega”. Já o jornalista José Simão, colunista da Folha de S. Paulo e autointitulado “o esculhambador-geral da república”, escreveu o seguinte: “Quem nunca transou com uma jega que atire a primeira pedra”.
No romance O cachorro e o lobo, de Antônio Torres, um trecho é narrado assim pelo personagem Totonhim: “Ah, as jegas! As que não usavam saias nem calcinhas e nem precisavam abrir as pernas. Era só encostar. E ver e ouvir estrelas”.
Para o nordestino, jega é uma coisa sagrada e profana, mundana e doméstica. Enquanto o resto do Brasil fala lavar a égua ou lavar a burra, no Nordeste nós falamos lavar a jega. E eles, os dicionários e dicionaristas, não reconhecem a jega. É, eles não sabem o que é uma jega.
Marcelo Torres (marcelocronista@gmail.com)
Senhor Dimitri, com todo respeito aos seus ilimitados saberes, tenho a informar que, Gilberto Gil não nasceu em Salvador. Criado, sim. Ivo R.S. Andrade
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