quarta-feira, 5 de novembro de 2014

A CADEIA INFINITA

Na nova orla marítima de Salvador, diante do Porto da Barra, quatro músicos – dois violões, um banjo e um cantor que emitia sons com a boca – executavam música do sul dos Estados Unidos, espécie de fusão entre country music e blues.
Uma conseqüência positiva da obra recém-inaugurada: música pública de qualidade nas ruas da Barra.
Diante da raridade, detive-me alguns minutos para desfrutar do som. Pequeno número de pessoas contemplava o grupo musical.
Dois adolescentes começaram a fotografar, com seus celulares, os músicos; a seguir, viraram-se e passaram a fotografar as pessoas que assistiam à apresentação.
Uma garota com óculos de armação violeta, cabelos curtos, roupas descoladas, que filmava os músicos, ao perceber que os adolescentes estavam fotografando as pessoas, também se virou e passou a filmar os adolescentes fotografando a platéia.
(Eu fazia parte da platéia; portanto, fui fotografado e filmado assistindo ao show e devo aparecer como figurante do espetáculo nas redes sociais. Nada pude ou quis fazer contra o registro de minha imagem. Olhei para os que me fotografavam e filmavam com uma espécie de resignação blasé: essa é a vida contemporânea; quem sou eu para lhe opor resistência?)
Qual seria o próximo passo? – pensei.
Alguém que passasse pela rua fotografar ou filmar os adolescentes fotografando e a garota filmando a platéia?
E ainda: outro transeunte fotografar ou filmar o passante fotografando ou filmando os adolescentes fotografando e a garota filmando a platéia?
A cadeia pode ser infinita.
Atualmente nada é para si. Tudo é para o mundo.
Marcos A. P. Ribeiro

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