segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

HISTÓRIAS VIOLENTAS DE SALVADOR

CLÁUDIO MARQUES



Daqui de casa, eu vi que a chuva estava na Ilha de Itaparica e se aproximava. Mas, mesmo assim eu resolvi sair de bicicleta. Queria dar um mergulho no Porto e, ainda por cima, fazer compras no Grão. Eu pedalava rápido, pensava “se a chuva vier que me encontre no mar”.

Na avenida Sete, a ventania trouxe areia aos meus olhos. Mesmo com dificuldade, eu apressei o passo. Uma mulher perdeu seu guarda-chuva na tentativa de abri-lo, no Campo Grande.

Na Vitória, a ventania redobrou de intensidade. Ouvi o som das amêndoas atingindo os carros e eu comecei a me preocupar. Outro impacto, agora um galho inteiro caiu próximo a mim. Tentei acelerar, mas um pedaço de pano se enroscou na corrente - sei lá Deus como – e eu não tinha mais como pedalar. Tentei livrar a corrente, mas começou a chover aos cântaros. Tempestade tropical, violenta. Um poste tombou. 
Pequenas explosões do sistema de iluminação. Galhos, amêndoas, capacete, pedaços de alumínio e toda sorte de escombros da obra do prédio ao lado caiam na avenida. Eu não olhava mais para a bicicleta, mas para o alto. Coloquei as mãos para cima. Fiquei paralisado por alguns segundos. 
Ouvi um grito. 
Era uma senhora que estava na portaria do prédio do outro lado da rua. Ela, negra, estava de uniforme branco e segurava um cachorrinho de madame, que se escondia nos braços dela. Ela acenava para que eu atravessasse a rua e entrasse no prédio. Levantei a bicicleta para me proteger do que vinha do alto e corri.

Já no prédio, agradeci à senhora. O interfone não parava de tocar. O porteiro não cessava de responder “Está chovendo, senhora”. “Não, senhora. Não foi tiro. Foi o sistema de luz da rua que pifou”. “Não, senhor. Já vai passar a chuva, senhor.” “O que eu posso fazer, senhor?”.

Outras três pessoas também correram para o prédio. Estavam assustadas. Depois de um tempo em silêncio, o vento diminui, as amêndoas e galhos pararam de cair.
Um dos jovens ao meu lado falou para o outro: “Eu não te disse que ACM estava certo ao cortar todas as árvores da cidade?”

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