Dilma
e a armadilha para o
FGTS
MALU FONTES
De nada adiantou o país inteiro descobrir que o crédito fácil, embora tenha sido bom enquanto durou, deixou mais sequelas que ganhos. Agora, com a crise, a fatura chegou e está levando todos para o precipício. Do comércio à população assalariada, passando por todo o setor produtivo. A exceção são os bancos, que, com ou sem crise, continuam ostentando lucros bilionários. Nesse contexto, em que poucas pessoas têm dinheiro no bolso e cada vez mais gente não tem certeza de que continuará a ter um emprego nos próximos meses, o governo federal ameaça tirar da cartola um coelho que só não é assustador para quem ainda não se deu conta da extensão dos riscos: autorizar o uso do FGTS como garantia para contratar empréstimos consignados nos bancos. Quem não quitar as parcelas as terá descontadas do Fundo de Garantia.
ANÉIS
Como parte da população está falida e inadimplente e o mercado está com seus estoques atravancados e sem clientes à vista, o governo da presidente Dilma teve uma ideia do tipo “como não pensamos nisso antes?”. A medida, se de fato for aprovada, levará os trabalhadores a um poço de comprometimento financeiro ainda maior e os banqueiros aos céus. Quem tem um dinheirinho no FGTS, já que não tem joias e anéis para penhorar, e dedos não valem nada no mercado de capitais, pode oferecer na penhora o Fundo de Garantia, em troca da obtenção de empréstimos bancários. A que taxa de juros, ninguém sabe, mesmo porque a medida ainda está em fase de estudos.
Numa primeira análise, a ideia parece ser quase ótima. O trabalhador consegue um empréstimo supostamente a juros menores que o do cartão de crédito, talvez sane suas dívidas mais caras e quem sabe até possa comprar uma coisinha aqui e outra ali, uma vez estando reabilitado para o consumo. Mas isso é a curto prazo. Diante de riscos reais de perda de emprego, de falta de planejamento e afundamento em novas dívidas, um pesadelo se ergue: os bancos ficarão com o FGTS para quitar o tal empréstimo e era uma vez o recurso reserva involuntário com o qual todo mundo conta até conseguir uma nova fonte de renda.
ABISMO
Já soa duvidoso e estranho ver governos anunciando que as pessoas empregadas podem sacar o FGTS para reconstruir suas casas e vidas nos casos de tragédias como enchentes e desabamentos, quando, comumente, esses fenômenos escancaram irresponsabilidades e negligência dos poderes públicos. O que dizer, então, quando o próprio governo abre caminhos para que os bancos possam se apropriar facilmente do Fundo de Garantia para que as pessoas paguem dívidas ou para estimular o consumo que anda à míngua? A curtíssimo prazo, esse arranjo para fazer banqueiros e trabalhadores felizes pode até funcionar. A médio e a longo prazo, no entanto, é a receita do abismo, para o lado mais fraco da corda, claro.
Uma medida, a criação do FGTS, implantada lá atrás para proteger trabalhadores desempregados, será transformada numa armadilha, disfarçada de facilidades, criada pelo governo para uma falsa salvação dos mais pobres de suas dívidas, o público alvo mais vulnerável a recorrer a esse tipo de oferta. Quanto mais pobre e endividado for ou estiver um trabalhador, mais propício estará a vender esse seu pedacinho de futuro. Sim, todo mundo tem o direito de fazer o que quiser com o seu dinheiro e o mesmo poderia ser aplicado ao uso do Fundo de Garantia. Mas é preciso combinar que não foi pensando na liberdade financeira de cada um que o governo teve essa ideia. A ideia norteadora da coisa está entre o populismo enganador e a estratégia de, mais uma vez, maquiar a economia empurrando para o consumo quem já não tem onde cair morto.
Malu Fontes é jornalista e professora de jornalismo da Facom/Ufba
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