As sombras dos edifícios se alongam pelas calçadas. Os prédios se apresentam em diversas cores, quase nenhuma verde. As árvores, conhecidas por sua patente desta cor, são poucas nos centros urbanos. Por isso nos servimos das sombras das construções verticais, frutos concretos de nossa urbanização, para aliviar o calor potencializado pelo asfalto. No entanto, a arborização urbana ultrapassa o papel estético de suprir a carência de nossas retinas (já um tanto acostumadas) pelo verde e o papel de resfriamento ao sombrear nossas acaloradas avenidas e calçadas. As árvores são plurais em suas funções urbanas, mas já não sabemos tanto sobre elas.
Sabemos que as áreas verdes das cidades ficam restritas aos parques, jardins botânicos e algumas ruas distintas – em Porto Alegre, uma dessas ruas até recebeu a honraria de “mais bonita do mundo” (foto). Visitas aos espaços verdes das cidades, como praças e parques, são imediatamente associadas ao relaxamento, à fuga da rotina da qual precisamos para manter nossa espiritualidade em nível razoável. Hoje mais da metade da população mundial mora nas cidades. Até 2050 estima-se que este total chegará aos 70% da população mundial.
Em publicação sobre a importância de manter as árvores em centros urbanos, a zootecnista Maria Luiza Nicodemo e o engenheiro agrônomo Odo Primavesi destacam que entre os papéis desempenhados pela arborização urbana estão: “a redução da poluição do ar, interceptação da água de chuva, sombreamento e estabilização da temperatura, redução do ruído e promoção de melhorias no bem-estar psicológico e físico”.
No que tange a melhoria do bem-estar, o estudo abrange teses e hipóteses sobre o poder da vegetação urbana no controle de estresse. Apresenta, inclusive, estudos realizados em conjuntos habitacionais de áreas mais pobres. Esses locais, quando “situados próximos a áreas verdes apresentaram menor índice de agressão e de violência do que moradores de conjuntos habitacionais situados em áreas menos vegetadas”.
Além desse fator, os impactos mais latentes são os que falam sobre a temperatura, sensação térmica e a umidade relativa do ar. O microclima do ambiente urbano é naturalmente elevado. Dessa forma, o calor se torna insuportável, pois “é refletido pelo material usado nas construções urbanas e produzido pelas atividades humanas associadas ao uso de combustíveis. A menor troca de ar causada pela restrição dos ventos contribui para manter o calor”, aponta o documento de Nicodemo e Primavesi. As árvores, argumentam os autores, tornam o ambiente mais agradável ao proteger as pessoas da radiação solar direta e da radiação de ondas longas emitidas pelos prédios. Da radiação solar captada pela copa das árvores, “de 10% a 25% é refletida de volta para o espaço, grande parte é usada para transpiração das plantas e uma pequena parte aquece o ar ou aquece partes das árvores”.
Temos exemplos latentes de como nossas cidades não foram planejadas de maneira a beneficiar o bem-estar das pessoas. Contudo, estamos, cada vez mais, em busca da harmonia entre crescimento urbano e meio ambiente. Assim como qualquer setor urbano, a arborização das ruas e avenidas está condicionada à qualidade e dedicação ao planejamento. Encaixar as árvores dentro da disposição atual de cidades é uma tarefa complicada, mas é preciso estuda-la. De acordo com o Manual Técnico de Arborização Urbana, feito pela Prefeitura de São Paulo, “locais arborizados economizam recursos públicos, por exemplo, na manutenção de áreas pavimentadas. Áreas arborizadas quando comparadas àquelas expostas diretamente ao sol sofrem menos com os fenômenos de contração e dilatação, diminuindo seu desgaste”. O Comitê de Trabalho Interinstitucional para Análise dos Planos Municipais de Arborização Urbana no Estado do Paraná também tem um manual para elaboração de um Plano Municipal de Arborização Urbana. Vale a leitura.
Em entrevista para o Instituto Humanitas Unisinos, a bióloga e mestre em Botânica Sistemática, Maria do Carmo Sanchotene, assevera que planos de arborização são relativamente recentes nas cidades brasileiras. “São poucas as capitais e cidades brasileiras que têm um plano bem estruturado. A elaboração desses planos é uma necessidade premente, porque eles reúnem todas as diretrizes e métodos que devem ser adotados para a preservação e expansão das árvores no meio urbano de acordo com as características físicas e geográficas do município que está sendo estudado”. Acesse a entrevista na íntegra.
O benefício da arborização urbana aliado ao crescimento da população nas cidades é implícito. A pontualidade do tema gira em torno de tópicos atuais como o aquecimento global e os objetivos do desenvolvimento sustentável. No entanto, apesar de fácil acesso a informações dessa ordem (acredite, uma rápida pesquisa por arborização urbana fornece material de pesquisa suficiente) a leitura do verde é rara. Em um ensaio publicado no Medium, a página “Inoperante – Ensaios” destaca, entre reflexões, um estudo do professor e pesquisador John Warren sobre a nossa capacidade de enxergar a cor verde. A autora ressalta: “isso acontece, segundo Warren, porque vivemos em um planeta dominado pela cor verde, e portanto, faz sentido que as forças naturais de seleção tenham nos equipado com olhos que são particularmente sensíveis à luz verde do espectro”.
O texto, então, ironiza como, mesmo com essa evolução cognitiva, muitos de nós não conseguem distinguir a salsa do coentro na feira. Estaríamos, portanto, em um momento de analfabetismo verde. As árvores e as cidades não se misturam e, com a distância, se vai o interesse.
“Ficamos meio analfabetos. Não sabemos ler o ambiente no nosso entorno e por isso jogamos uma habilidade espetacular fora. Também é verdade que parece que precisamos cada vez menos saber distinguir entre espinafres e rúculas. O mundo no qual você nasceu é dominado de cinza, e dominado por pessoas que produzem os alimentos, os cosméticos, os remédios, as fibras do vestuário e uma infinidade de outros produtos vegetais para nós. É bem fácil mesmo nunca termos tido a chance desse aprendizado. Somos os meninos bobos da cidade grande.”
Combatendo desconhecimento das árvores, recentemente foi criado um mapa interativo de onde estão as árvores no Estado de São Paulo. As colaborações podem ser feitas por qualquer pessoa por meio da plataforma do Google Maps. O projeto se chama Inventário das Árvores. Vale a pesquisa. Encontra-se de abacateiros e jabuticabeiras até jacarandás. E muitas árvores que nem conhecia.
O Desenvolvimento Sustentável se apresenta como um modelo de reversão da atual sistemática de produção e consumo. Alterar o modo de exploração do meio ambiente e como (e com quais ferramentas) respondemos por nossos problemas é um dos objetivos de nosso tempo. Não digo que precisamos de um letramento técnico no que tange árvores e vegetações, mas é importante estar atento ao papel do verde em nossas vidas. Saber, ainda, como o desconhecimento técnico não nos limita como fomentadores do debate sobre a importância das árvores no ambiente urbano que a maioria de nós busca. Não precisamos saber as espécies arbóreas para saber que elas fariam bem para nós e para as ruas em que transitamos.
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