sexta-feira, 3 de outubro de 2014

DUCHAMP,FLORISVALDO E LAFORGUE


Foto de Florisvaldo Mattos.

MAIS UMA VEZ, VIVENDO E APRENDENDO
Desencalmado, na mornidão da tarde, a cutucar percursos dadaístas, quando de repente me bato com o conteúdo de uma entrevista (Boletim do MoMA, de Nova York, 1946) de Marcel Duchamp, um dos precursores e, por fim, um ícone da febre DADÁ, onde ele confessa de onde tirou a ideia para criação de sua famosa tela "Nu Descendo a Escada", de 1912. 
Diz: ele: " A ideia do "Nu" veio de um desenho que tinha feito em 1911 para ilustrar o poema de Jules Laforgue "Encore à cet astre". Eu tinha planejado uma série de ilustrações de poemas de Laforgue, mas só completei três". Parei. E como há algum tempo andei lendo o simbolista francês, segundo Ezra Pound um dos maiores poetas do século 19, fiquei curioso, porque não conhecia o poema, tampouco a obra dele, só os de uma boa antologia. Saí então a caçar o poema e encontrei, em si uma peça de forte e clara transcendência imaginativa e construtiva, própria de estetas dessa espécie. Resolvi então, com duplo espírito lúdico, postá-lo em francês e numa tradução livre, visivelmente capenga, a invocar o socorro de um bom tradutor (alô, alô, Professores Jaques Salah e Celina Scheinovwitz, ou quem mais se disponha), ilustrado com a célebre obra de Duchamp, um dos grandes passos das vanguardas, e uma foto dele próprio. Vai tudo abaixo, com pedidos de indulgência...

ENCORE À CET ASTRE
Jules Laforgue
Espèce de soleil! tu songes: - Voyez-les,
Ces pantins morphinés, buveurs de lait d'ânesse
Et de café; sans trêve, en vain, je leur caresse
L'échine de mes feux, ils vont étiolés!
- Eh! c'est toi, qui n'as plus que des rayons gelés!
Nous, nous, mais nous crevons de santé, de jeunesse!
C'est vrai, la Terre n'est qu'une vaste kermesse,
Nos hourrahs de gaîté courbent au loin les blés.
Toi seul claques des dents, car tes taches accrues,
Te mangent, ô Soleil, ainsi que des verrues
Un vaste citron d'or, et bientôt, blond moqueur,
Après tant de couchants dans la pourpre et la gloire,
Tu seras en risée aux étoiles sans cœur,
Astre jaune et grêlé, flamboyante écumoire!

1ère publication:
Œuvres Complètes (Mercure de France) 1903

ENTRETANTO, ESTE ASTRO
Jules Laforgue
Espécie de sol! você está pensando: - “Vê-los,
Fantoches em morfina, bebedores de leite de jegue
e café; incessantemente, em vão, eu lhes acaricio
a espinha com minhas chamas, eles vão estiolados! -
- Hey! é você, que não tem mais que raios congelados!
Nós, nós, mas nós rebentamos de saúde, juventude!
Verdade, a Terra é apenas uma feira formidável,
Nossos urros de alegria a dobrar trigais ao longe.
Você só estala os dentes, porque crescidas manchas
O consomem, ó Sol, assim como as suas verrugas,
um imenso limão de ouro e, em breve, louro zombador.
Depois de tantos crepúsculos em púrpura e glória,
Você servirá à chacota de estrelas sem coração,
Astro fulvo e granizado, escumadeira flamejante!

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