1953.
Tenho 17 anos. Meus pais me mandaram estudar no Liceu Francês de Madri para ver
se perco um pouco do provincianismo de minha infância em Rabat. Tenho como
companheiros de aula Maya Picasso e Simeão da Bulgária
Moro numa transversal da Calle Goya no modesto apartamento da muy sevilhana baronesa
Van Aerssen, cujos filhos me iniciam aos bastidores da cultura madrilena.
Glória seria uma das locomotivas da Movida e Alberto Lorca, já estrela da
Companhia Pilar Lopes, teria um papel importante no mundo da dança espanhola e
da zarzuela.
Alberto Lorca e a companhia Pilar Lopez
Com freqüência, a pequena mesa de refeições do living é invadida
por uma alegre e barulhenta fauna de bailarinos. No meio do cozido não hesitam
em se levantar para mostrar como se coloca um braço ou se rodopia. Até Carmen
Amaya vem um dia comer hormigas! Se
entre eles um jovem de minha idade também sentou a meu lado, honestamente, não
me lembro.
Mas o fato é que Antônio Gadés já fazia parte da companhia.
Meu encontro com ele – eu, simples espectador - seria já na
Bahia, quando apresentou “Bodas de sangre”. Depois de “Carmen”, Carlos Saura
filma três, incluindo “Fuego”, obras-primas do cinema espanhol.
A cada vinda a Salvador, estou entre os primeiros a comprar
entrada no TCA, tal o fascínio pelo descomunal talento do renovador do flamenco.
Cada vez saio inebriado.
Saía.
Porque aquilo que a companhia apresentou no princípio
de outubro, não reverencia a memória de Antônio Gadés. Este “Fuego” envelheceu
mal, não passando de pálida chama de fogão. Além de roteiro deficiente, a
estrutura convencional parece se inspirar mais em Marius Petipa, com cansadas
ousadias a la Béjart, que ao autor de “Bodas de sangre”.
Em certos momentos, a nítida impressão de enchimento de
lingüiça leva a uma doce sonolência. Restou o profissionalismo dos bailarinos e
a beleza sóbria dos figurinos. Nem os cantaores
e os músicos tiveram o costumeiro destaque.
Gadés, cadê você?
"Fuego" na lente de Carlos Saura
Nenhum comentário:
Postar um comentário