Com o passar dos anos, as datas
vão se esquivando. Quando foi a inauguração da primeira ponte sobre o Bósforo?
1967? Mais tarde? Deve estar algures no Google. Qualquer dia mergulharei nesta
pesquisa...
Tinha sido convidado para
este evento ou, melhor, levado a tiracolo por quem podia se permitir acompanhantes:
a ex-rainha Giovanna da Bulgária, cujo marido, o rei Boris, fora sido
assassinado pelos capangas do Hitler.
Assistir a uma apresentação
do Rapto no Seralho de Mozart, a porta principal do Topkapi Sarayi como pano de
fundo é algo difícil de esquecer... E mais: nas primeiras filas!
O dia seguinte, o barco da
otomana sultana Neslisha deslizava pelo Bósforo para atracar, em Beikoz, do
lado oriental, junto a um dos mais belos yalis (pronunciar “ialë” com biquinho
no “ë”, a francesa). Esta aristocrática construção do final do século XVIII,
toda de madeira como mandava então a tradição, parece deitada preguiçosamente
ao longo do famoso estuário com cara de rio.
Quase ao nível da água, um
amplo portão emoldura a húngara condessa Ostrorog cujo marido herdará a casa
mantida na família por mais de cem anos.
Por acaso encontrei no Google o yali da Condessa Ostrorog
que, meio-século mais tarde, parece desabitado...
Minha iniciação a Ásia. Piso em
tapetes raros jogados com desenvoltura calculada por vários salões. Poltronas
Biedermeier ou vitorianas, livros antigos, cortinas de seda beije ou rosa,
vasos chineses. Pelas largas janelas, a européia Istambul e suas elegantes
mesquitas. Atravessando o antigo harém, nossa anfitrioa nos conduziu até um
jardim, longo e estreito, imprensado entre o morro coberto de altas árvores e,
sempre, o Bósforo, sempre riscado por mil barcos de pesca, ferry-boats,
veleiros e cargueiros.
Algumas mesas
espalhadas à volta de uma fonte de mármore foram armadas para um almoço
primaveril. Porque me escolheram para sentar junto ao violinista Yudi Menuhin é
uma pergunta que nunca terá resposta. Sem demora encontraremos um terreno de
interesse comum: a cultura popular. Dos outros convidados tenho vaga lembrança,
não mais de uns quinze... Também não consigo lembrar do menu, mas suponho uma
diversidade de mezze, um frango com yaourt, sorvetes?
Onde estou? Numa página de
Proust, chez la princesse de Laumes? Ou num conto de Fitzgerald? O ar é leve, de uma transparência azulada. O
silêncio é, raramente, sublinhado por algum riso feminino, pela sirena de um
barco ou por um pássaro apaixonado. Os rostos são abertos, discretamente alegres.
Por causa, quem sabe, do precioso Tokay servido na sobremesa?
O sol se escondeu por trás
das árvores. As conversas, adivinhando o fim da reunião, soam mais alto nesta
tarde que se dilui. De repente uma imensa sombra invade o jardim. Os
convidados, surpresos, amedrontados, levantam os olhos para uma gigantesca e
deslavada muralha de ferro deslizando a pouca distancia do jardim, dois metros,
talvez, ou menos até?
É um cargueiro soviético rumo
ao Mediterrâneo. Os convívios silenciaram. Lá encima uma dúzia de cabeças
observam a cena. Um punhado de culposos capitalistas pegos nas suas quotidianas
farras. Lentamente, o cargueiro passa, levando... o quê? Petróleo? Vigas,
cimento, armas, trigo, máquinas agrícolas? Em poucos minutos terá desaparecido,
bandeira vermelha agitada ao vento do crepúsculo.
A festa acabou. Tempo de
despedidas.
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