MARCELO TORRES
As casas ficavam fundo com fundo, de costas uma para a outra, separadas por um beco que numa ponta era Beco de Zuza e na outra era Beco de Zé da Botica. A casa dele era de frente para a Praça Juracy Magalhães Júnior – nome de um político da UDN, herdeiro de uma oligarquia baiana. Já ela morava na Heitor Dias, nome de um educador e político, ex-prefeito de Salvador.
Os irmãos de Dilma, mesmo mais velhos, eram meus colegas de bola, escola e brigas. O mais velho era Gilmar que tinha o irônico apelido de João Bonito. O outro, de nome Roberto Jaciel, ganhou a alcunha de Nininho – Nininho de João de Bolero, era como todo mundo o chamava.
Naquele tempo, no Junco, só havia um Aécio e uma Dilma. Mesmo assim, era preciso incluir um adjunto para especificar o nome de cada um. Então ela era identificada ora como Dilma de Carmelita, ora como Dilma de João de Bolero. A ele, chamavam-no Aécio de Fiazinha e também Aécio de Zeca do Olho Preto.
Lugar pequeno, já sabe, todo mundo tem um nome popular, que é formado por um prenome ou apelido acrescido de um adjunto, que pode ser o nome ou alcunha do pai ou da mãe, talvez do avô, podendo também incluir a profissão ou um traço físico da pessoa.
O pai de Aécio, batizado como José, tinha a alcunha de Zeca. Já havia, porém, outros Zecas - Zeca Moço, Zeca Vieira, Zeca de Cândio, Zeca da Volta -, então o lugar lembrou de um traço físico de seu José e passou a chamá-lo pelo singelo epíteto de Zeca do Olho Preto.
Se é verdade que a glória é ser não só um nome, um assunto ou um substantivo comum, mas um epíteto, conforme dizia o simbolista poeta e filósofo francês Ambrósio Paulo Valério, então o pai de Aécio - seu Zeca do Olho Preto - estava coberto de glória já pelo nome.
Aécio, agora eu lembro também, era primo de José Robério, vereador seis anos, prefeito por outros quatro e vice-prefeito por duas vezes, dez anos. E foi Roberão, como era conhecido popularmente, quem arranjou uma boa colocação para Aécio na prefeitura (na época não havia concurso).
Olho agora para o passado e vejo Dilma, jovem, jogando bola, muita bola - no peito e na raça. Era a craque do time, o primeiro time de futebol feminino do Junco, artilheira, capitã, camisa dez e tudo. Eu a vi jogar, fazer gols, driblar tabus, lutar contra preconceitos.
Tinha eu catorze anos na eleição municipal de 1982 e o via acompanhando o candidato governista do PDS, Wilson Cruz. Ela apoiava o oposicionista Pedrito Cruz que perdeu o pleito. Hoje o ex-prefeito Wilson vota em Aécio Neves; o atual prefeito, Pedrito, vota em Dilma Rousseff.
Na política estadual, enquanto Aécio era fiel eleitor de ACM, Dilma votava em Waldir Pires. No plano federal, em 1989 Aécio apoiou Collor, que era o candidato do prefeito e dos fazendeiros - Dilma foi um dos poucos votos dados a Lula no município.
Até na eleição presidencial dos Estados Unidos eles divergiam, conforme me revelou meu irmão Arízio, que era amigo dos dois. No início, não acreditei, achei que fosse um causo, mais um causo criado pelo mano. Mas, depois, analisando a riqueza de detalhes e lembrando que, de fato, os dois alimentavam divergências em tudo, acabei achando a história verossímil.
Segundo Arízio, o duelo internacional ocorreu na eleição de 1992.
- Foi Aécio falar que era Jorge Dáblio Búxi e logo Dilma disse que era Bill Clinton desde criancinha.
Pois eram assim, os dois, diferentes, alimentando discordâncias, marcando posições contrárias, andando por caminhos opostos, um de lá, outro de cá. Mas sempre, porém, esse embate ficava no plano das ideias, das escolhas e opiniões de cada um, nunca descambando para a violência.
Faço essa viagem no tempo e fico a imaginar como seria a atual eleição presidencial no Junco se Dilma e Aécio ainda morassem lá. No mínimo, seria algo divertido. Mas ela um dia pegou o caminho para São Paulo e nunca mais voltou. Ele há três anos fez a última viagem, partiu para a cidade dos pés juntos.
No Junco, como em nenhum outro lugar, essa disputa entre Aécio e Dilma talvez tivesse um quê de paz e poesia. (marcelocronista@gmail.com)
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