Trinta anos atrás, no dia 21 de Outubro de 1984, François
Truffaut faleceu de um câncer do cérebro com cinquenta e dois anos. A Cinemateca Francesa está comemorando esse
aniversário com uma grande exposição e uma retrospectiva sobre esse cineasta
que durante muito anos foi mal amado por uma boa parte da critica francesa.
Depois
de “Os Incompreendidos” (prémio de Melhor Direção no Festival de Cannes de
1959), a crítica parecia querer puni-lo
por esse extraordinário sucesso conseguido por um diretor de apenas
vinte sete anos. Entretanto, é difícil descrever a emoção que prendeu muitos
cinéfilos e aspirantes-cineastas quando a sua morte foi anunciada. Muitos
ficavam com uma forma de culpa e a sensação de ter mal apreciado o François,
sua humanidade, sua generosidade e sua contribuição à sétima arte. Em uma
entrevista nos Estados Unidos, um país
que o considerou como o maior cineasta francês e um dos maiores do mundo,
Truffaut atribuiu essa falta de reconhecimento na terra dele ao fato de que ele
era um contador de histórias, no modo dos grandes escritores do século 19,
enquanto o século 20 era o século dos filósofos.
Nos anos sessenta, quando o
público começou a se dividir entre o cinema comercial e o cinema autoral, Truffaut
ficou com a nostalgia do cinema da sua infância, quando os filmes eram feitos para
todos e vistos por todos sem preconceito nem expectativa particular. Por uma
ironia cruel do destino, Truffaut sofreu dessa Politica dos Autores, que ele
idealizou com André Bazin e seus colegas do Cahiers du Cinema. Ele percebeu que
a critica americana tinha pervertido seu discurso, usando o conceito,
originalmente criado pelo dramaturgo Jean Giraudoux que proclamou que não
existiam peças de teatro, somente autores, para segmentar a produção
cinematográfica quando, na verdade, “La Politique des Auteurs” era uma proposta
de celebrar todos os filmes de um mesmo cineasta, os melhores como os menores,
e de aprender a identificar seu estilo, sua linguagem, suas qualidades e seus
defeitos. A Politica dos Autores era um gesto de amor antes de ser uma
ferramenta para discriminar a produção cinematográfica.
Como cinéfilo e como cineasta,
sempre fui apaixonado pelos filmes do François Truffaut. Durante a gravação do
meu primeiro longa, “A Coleção Invisível”, na angústia de acertar a cena do
primeiro encontro entre o protagonista (interpretado pelo Vladimir Brichta) e o
colecionador Samir (Walmor Chagas), eu pedi para Vladimir escutar uma trilha
musical de Georges Delerue, o compositor dos filmes de Truffaut. Eu gostava em
particular da sua teoria do cineasta como advogado dos seus personagens: o protagonista não precisa ser simpático mas
deve ser defendido pelo diretor para torná-lo uma figura senão amável pelo
menos digna de respeito. Grande leitor, ele se recusava a opor a literatura ao
cinema e foi um dos cineastas que mais adaptou obras literárias (Henry James,
Ray Bradbury, Henri-Pierre Roché), e mais explorou as possibilidades da voz narrativa
e das cartas escritas entre seus personagens para nutrir o drama.
Como acontece as vezes quando
se ama um grande artista, a vida me proporcionou momentos nos quais me
aproximei um pouco do François Truffaut. Ator mirim, eu participei de um filme (“Les
Turlupins”) escrito e dirigido pelo Bernard Revon, roteirista de “Beijos
Proibidos” e “Domicilio Conjugal” do conjunto de obras sobre a jornada
sentimental do personagem de Antoine Doinel. Não tive o privilegio de conhecer
pessoalmente o Truffaut mas soube que ele elogiou a atuação dos atores mirins
desse filme. Porém, a lembrança mais forte que ficou comigo foi o enterro do
François Truffaut. Pulei as aulas da
faculdade para não perder esse momento. Quando cheguei no cemitério, o enterro
estava para acabar e vi a turma da família e dos amigos do Truffaut afogados em
uma tristeza indescritível. Como aceitar a morte de um artista que parecia tão
jovem com seu sorriso e seu olhar maliciosos, e com tantos projetos ainda para
realizar? Na saída do cemitério, bem transtornado, eu fui tomar um café em um pequeno
bistrô e quando levantei a cabeça, a meu lado estava, sorridente, Jean-Pierre Léaud, o ator do personagem de Antoine Doinel, e alter ego do François no
cinema. Interpretei esse encontro
silencioso como um sinal e voou minha tristeza.
Como artista, minhas
influencias são várias, não somente os filmes de Truffaut. Mas eu sei que ele me
deixou um legado importante: o desejo de amar todos os filmes sem nenhuma fronteira,
e o reconhecimento de que qualquer obra cinematográfica se avalia melhor depois
da passagem do tempo. Como muitos cineastas, eu posso também fazer minhas as
palavras do François quando dizia que fazia filmes para realizar seus sonhos de
adolescente, para se fazer bem e, na medida do possível, fazer bem aos outros.
Bernard Attal, cineasta.
Nenhum comentário:
Postar um comentário