Adolfo Ibañes, restaurador: '‘O povo sem memória é facilmente manipulado'
“Nasci em Valência, Espanha, em 1980, me formei em Arquitetura e trabalhei no país. O que mais me encanta é poder preservar um pedacinho da História em cada trabalho, nem que seja um grão de areia. Em 2011, com 27% de desemprego na Espanha, decidi migrar. Escolhi o Brasil, uma economia emergente”
Conte algo que não sei.
Lá fora, o Brasil está muito bem vendido como marca, mas você chega aqui e a realidade é outra. Não é verdade o que falam. Os indicadores econômicos não são fiéis ao que realmente acontece.
Quais as diferenças entre Brasil e Espanha na forma como preservam o patrimônio histórico?
Estamos comparando dois continentes. Um país de dois mil anos não é a mesma coisa que um de 500. No Brasil, está tudo por fazer. É um país que precisa de olhares diferentes, de um processo de valorização da sua cultura. O brasileiro precisa conhecer muito mais sua História. Percebo que não existe um nacionalismo brasileiro, compatível com o trajeto cultural que o país tem. Isso está relacionado a uma educação insuficiente.
O que mais chama a sua atenção nesse sentido?
É só dar uma olhada nas cidades. Por exemplo, veja como o patrimônio é vandalizado no Rio, como estão constantemente sendo roubadas peças de esculturas para fundição. Os sucessivos roubos dos óculos de Carlos Drummond de Andrade mostram isso. Através do meu trabalho de fotogrametria, usando drones, estou tentando trazer uma ferramenta para registrar esse patrimônio em risco de sumir.
E o que já desapareceu?
Os moldes que geraram alguns monumentos não existem mais. O povo sem sua memória não tem identidade, comete erros constantemente e é facilmente manipulado.
Você acha que, hoje, as pessoas se identificam com os locais onde vivem?
Poucas vezes. Há mais identificação quando há o aspecto religioso, com a igreja do bairro, como na Penha. Agora começa a existir uma proteção, como no caso da Marina da Glória: cortaram um monte de árvores, e a associação começou a reclamar.
Como aprendeu a técnica que hoje aplica?
Sou autodidata. Consegui tudo a partir da busca por enxergar oportunidades e gerar um mercado que não existe. Procurei obter conhecimentos de topografia, que já usa essa técnica. Com isso, trouxe todas as áreas juntas, arquitetura, restauração e fotografia, para gerar um novo tipo de produto.
Que forma de patrimônio é mais interessante de ser registrada?
Todo monumento tem seu interesse. Gosto muito de pesquisar cada prédio, saber com o que estou lidando. Para mim, o mais interessante são os prédios oficiais, como representação do poder de cada época.
As transformações para as Olimpíadas afetam a memória da cidade?
Uma cidade em transformação está em estado de urgência. A gente nem sabe o que tem sido encontrado aqui no Porto Maravilha. As fundações dos prédios, que foram feitas de novo, com certeza destruíram boa parte da História do Brasil. Todos os atracadouros do Cais em que chegaram cerca de 2 milhões de escravos têm sido afetados.
Isso ocorre com todo o conjunto do Cais?
Temos preservado o Cais da Imperatriz, apenas um pequeno registro do que era na época. As intervenções para as Olimpíadas são muito específicas, sem uma visão da interligação da cidade com elas. O povo não está sendo consultado sobre as transformações urbanas.
O que é trabalhar com memória em um momento marcado pelo efêmero?
Trabalhar com memória, preservá-la, é muito importante porque estamos no efêmero e, num mundo assim, tudo tem data de validade. O que é publicado em um dia, no outro some. Há coisas que não resistem à globalização.
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