quarta-feira, 15 de abril de 2015
DESABAFO DE UMA PROFESSORA
Sou professora efetiva da Rede Estadual de Ensino de São Paulo, da Diretoria de Guarulhos Sul. Como leitora assídua do DCM, CAF e de seus artigos, gostaria de sua atenção, para divulgar a violência sofrida pelos professores, fora do âmbito da criminalidade. Uma violência que, infelizmente, nem os próprios docentes percebem serem vítimas. Educação pública virou mercadoria de baixo valor, consequentemente, seus operários não precisam ser ouvidos ou bem remunerados, nem mesmo precisam de condições econômicas de profissionais de mesmo nível de formação. É constrangedor incentivar nossos alunos a estudar, dada essa situação.
Estou em greve, juntamente com milhares de professores da Rede Estadual de SP (efetivos, categorias A, B, Z), desde o dia 13/03/2015. No entanto, Geraldo Alckmin já escreveu o fim do que considera uma “novela”: o vilão sempre vence e sua imagem pública de bom gestor, fica ilesa no final.
Até a data de hoje, o Governador menospreza a greve, divulga incansavelmente meias verdades com pitadas de mentiras, repetidamente veiculadas pelos meios de comunicação que a escondem. Nem mesmo quando uma Avenida 23 de Maio é percorrida e bloqueada em sua extensão, por professores em plena quinta-feira, em véspera de feriado, no dia 02/04/15 por quase quatro horas do horário de pico na cidade!
Na última sexta-feira (10/04/15), ficamos por cerca de uma hora em frente ao Palácio dos Bandeirantes e, de lá, caminhamos até a Ponte Estaiada, com parada em frente à sede da Rede Globo. Um movimento que teve início às 14 horas e somente terminou por volta das 21! Mais uma vez, apenas uma nota de rodapé nos telejornais.
A divergência sobre a quantidade de manifestantes (eu que sempre estou entre eles, posso garantir que são milhares), certamente é cômica: “haja margem de erro”. Muitos ou poucos, não é a questão, o problema é o contrassenso. A quantidade de manifestantes contra o PT e o Governo Dilma não chega a 1% da população do país, no entanto, mereceu 24 horas de cobertura de toda a mídia no dia 15 de março e o fato de ter sido menor no último dia 12/04, continuou e continua a ter destaque e importância supervalorizada, além das pesquisas de opinião. Ah…As pesquisas de opinião… Será que o Governo Estadual aceitaria uma pesquisa de opinião entre todos os servidores? Poderia ser apenas entre professores, para não ser tão humilhante. Seria um bom desafio.
Na greve de 2010, alegavam que apenas 1% estava em greve. Hoje, para não admitirem 9%, afirmam que 91% dos docentes estão trabalhando “normalmente”. Essa normalidade consiste em escolas funcionando parcialmente, com alunos nos pátios, nas quadras, inspetores tomando conta de turmas, salas de várias turmas assistindo a filmes, professores eventuais se sujeitando a cobrir aulas de professores efetivos, além do assédio moral das Diretorias sobre Gestores das Unidades Escolares. E a imprensa? Visita escolas que estão “funcionando”, nunca as que estão 100% paralisadas.
O Governo sabe da dificuldade em articular, manter e estender uma greve por uma categoria que mal tem condições de fazer um fundo de greve, muito menos ficar sem salário. A divisão entre efetivos, contratados, temporários, estáveis e demais sopa de letras dificultam a união desses profissionais. Se algo não mudar isso sempre será uma novela com final feliz para o tão eficiente Governo tucano que sucateou as escolas públicas estaduais. Sem mencionar os reajustes no início de 2015 para dirigentes, gestores e demais “capitães do mato” espalhados por toda a rede. São “professores” afastados , fora do combate diário com alunos, exercendo cargos de confiança sob a ameaça permanente de serem “cessados”. Um capítulo à parte que também merece discussão.
Voltando aos fatos. O Governo de São Paulo não cumpre a jornada do piso ( Lei Federal 11738/2008,Art 2º § 4º, ardilosamente manipulada pela Resolução SE 8 de 19-01-2012 D.O.20/01/12 Executivo I ).
Todos os trabalhadores, possuem data-base para discussão de reajuste salarial, o professor, tem reajuste somente a gosto do governador. Apesar de março ser o mês de dissídio da categoria.
No Governo Serra, ficamos 4 anos sem reajuste salarial. No final do mandato, conquistamos uma composição em parcelas anuais: gratificações incorporadas ao salário base e reajuste parcial das perdas que sofremos nos últimos anos, que ficaram longe de recompor nossas perdas e não foram os 45% divulgados, já que mais de 15% desse valor, já recebíamos “por fora”. Com a Lei 1107/2010, houve um reajuste que absorveu toda essa Gratificação por Atividade de Magistério – GAM, que, de acordo com a Lei Complementar nº 977, de 06 de outubro de 2005, correspondia aos 15% da remuneração do profissional do Magistério e de acordo com o calendário aprovado, foi feito em 3 etapas anuais (2010/11/12), sendo que, a cada ano, até Julho de 2014, ou seja, em 4 anos houve uma diluição dos verdadeiros percentuais de reajuste que totalizaram cerca de 27%. Agora fica muito clara a perda do poder de compra após 8 anos. Não cobre a inflação acumulada, muito menos enaltece o discurso de que o Estado de São Paulo paga 26% acima do piso, percentual que chegava a 60% quando a Lei 11738 foi sancionada em 2008. Desde então, assistimos a perdas de condições de trabalho, perdas de direitos trabalhistas, perda da dignidade e do orgulho da profissão. Estamos adoecendo…
Estamos em greve pelo reajuste do ano corrente (já informado que será de 0%) e pela mudança dessa política de bonificações extremamente injusta (castigo para quem não atinge “metas” e esmola para quem supostamente as atinge, já que o critério não serve de parâmetro para considerar nem o mérito coletivo, nem individual das escolas). Além de ser escandalosamente desproporcional para cada profissional do quadro. O Governo alega que há provas anuais (LC 1143/11) para aumentar o salário por “mérito”, prova que é realizada anualmente, mas permitida a cada docente, com interstícios de 4, 5 e até 6 anos com uma série de restrições impeditivas que nem sempre dependem da vontade do servidor, como estar alocado em uma mesma unidade por mais de 3 anos ou estar em efetivo exercício em data-base. Isso não depende da vontade de um professor contratado, pois ele é obrigado a dar aulas onde há aulas a serem atribuídas. Com o fechamento de salas, até professores efetivos terão esse problema.
A prova consiste em obter uma média entre prova objetiva e prova dissertativa, porém, os critérios de correção das provas dissertativas não são transparentes e expostas. Em 2014, os recursos não foram respondidos, foram simplesmente “indeferidos por serem improcedentes”. Professores muito bem avaliados nas faixas iniciais não “souberam escrever” em 2014, não mereceram a promoção. Isso, no mínimo, é questionável. Há inúmeros casos de médias da faixa III para a faixa IV não atingidas por décimos (A média precisa ser de 7 inteiros para faixa IV a maior desde a implantação. O arquivo com as notas de todos os candidatos foi disponibilizada no site da Vunesp e baixada por vários candidatos, antes de, misteriosamente, ter ficado indisponível por alguns dias.
Para concluir, o Estado “varreu” os milhares de alunos “evadidos” de seu sistema, o que possibilitou o fechamento de salas em todas as escolas da Rede. Pergunta: onde estão esses alunos? Morreram? Evaporaram? Vamos fingir que não existem? Ou simplesmente esperar que comecem a aparecer nas listas dos presos ou “apreendidos”? Ninguém é responsável por esses menores? Isso é muito grave.
Se realmente queremos uma sociedade de pessoas que tenham condições de escolher como desejam viver, precisamos nos preocupar com a qualidade da formação de nossos jovens e futuro professores. Um professor precisa de boa formação, tempo para estudar, vivenciar, ter acesso à cultura e aos avanços tecnológicos. Para quem trabalha os três períodos, muitas vezes em mais de uma Unidade e com as condições atuais, nem que seja vocacionado para a caridade. Faltam-lhe saúde e forças para não arrefecer e sucumbir aos males desse círculo perverso.
No desejo de ser ouvida, subscrevo-me.
Atenciosamente,
Professora Fátima Mayumi Ioneda Hatano
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