O Brasil é um dos maiores produtores de celulose do mundo: estima-se que mais de 5 milhões de hectares sejam destinados à plantação de florestas de eucaliptos, que em 2014 fez com que seus produtores lucrassem 600 dólares por tonelada, atividade das mais rentáveis do setor.

Diversos especialistas chamam a atenção para os danos ambientais que o plantio dessa commoditie causa. A começar pela destruição de toda uma biodiversidade e a substituição por uma única espécie.

Outro ponto são as enormes quantidades de agrotóxicos utilizados no plantio, responsáveis pela extinção de insetos e animais benéficos como borboletas, besouros, joaninhas, abelhas, anfíbios, tatus, etc. Um destes agrotóxicos mais utilizados nas plantações de eucaliptos é o sulfluramida, fortemente cancerígenos e proibido pela Convenção de Estocolmo, subscrita pelo Brasil e por mais de 152 países.

Mesmo assim, no próximo dia 5 de março, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) colocará em pauta a votação que libera o cultivo de eucalipto transgênicos no Brasil.

Para Paulo Kageyama, integrante da CTNBio e professor da Universidade de São Paulo, “esse projeto não traz benefícios à comunidade como um todo, nem a própria eucaliptocultura e aos produtores de mel. Muitas empresas do setor já reconheceram que essa é uma liberação prematura. A única grande interessada e justamente a única empresa beneficiada por esse processo é a FuturaGene/Suzano”, afirma.

Confira abaixo a entrevista:

Mesmo sem as certificações necessárias, o H421 (sigla científica do eucalipto transgênico) foi aprovado para comercialização. Sendo assim, quais os riscos que ele representa para a saúde humana e para o meio ambiente?

O eucalipto transgênico tem várias falhas, mas a principal dela é a contaminação do mel. O Brasil é um grande produtor de mel de eucalipto.

Alguns setores tentam minimizar essa contaminação, mas não sabemos qual o real impacto disso. Isso sem contar com o uso de agrotóxicos em larga escala nos monocultivos. De tão nocivos ao ambiente e fortemente cancerígenos são de uso proibido por organismos internacionais.

Sem falar na destruição do solo, do bioma nativo, desvio de nascentes, abertura de estradas clandestinas para manuseio das árvores; todos esses fatores afetam diretamente a saúde humana.

Então o que está por trás do debate que envolve a liberação do plantio dos eucaliptos transgênicos no Brasil?

É a primeira vez que se aprova o eucalipto transgênico. Essa busca pela primazia do domínio é o que faz essa aprovação sair a qualquer custo, mesmo com todas as falhas apresentadas. A valorização da biotecnologia para domínio comercial de um produto transgênico que é único no mundo.

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Temos muitas criticas a esse processo tecnológico, que não traz benefícios à comunidade como um todo, à própria eucaliptocultura, aos produtores de mel e etc. Muitas empresas do setor já reconheceram que essa é uma liberação prematura. A única grande interessada e justamente a única empresa beneficiada por esse processo é a FuturaGene/Suzano.

Hoje, 80% do mel brasileiro é certificado como orgânico. A liberação do eucalipto transgênico tende a interromper essa lógica. Qual o prejuízo que isso representa para o setor apicultores brasileiros?

Os critérios do Forest Stewardship Council (FSC) não aceitam variedades transgênicas para certificação florestal. Só no ano passado, o Brasil produziu 16 mil toneladas de mel de eucalipto. A produção será contaminada após a liberação do transgênico.

Alguns setores tentam minimizar essa contaminação, mas ainda não sabemos qual o real impacto disso. Mas já sabemos que isso representará um desastre para a apicultura brasileira.

O Brasil é o principal consumidor de agrotóxicos do mundo. Há alguma relação entre os eucaliptos transgênicos e os agrotóxicos? De que maneira eles podem contribuir com o aumento do uso de venenos agrícolas?

Em uma plantação de eucaliptos quase não se encontra biodiversidade. Não há sobrevida de insetos, animais.

São usados em grande escala agrotóxicos à base de glifosato e de sulfluramida. Com o aumento em grande escala do monocultivo, mais o decréscimo no tempo de produção, o aumento na utilização de agrotóxicos é evidente.

Ao plantar eucaliptos que utilizam esses agrotóxicos, o Brasil passa por cima da Convenção de Estocolmo. Vale lembrar que o texto foi aprovado pelo país em 2004. Isso não é um contrassenso?

Sim, sem dúvida. O Brasil referendou o documento em 2004 e em 2006, na 8ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (Cop-8), que foi sediada Curitiba. O documento apresentado na época exigia análise de risco, regulamentação, entre outros pontos para comercialização.

Caso essas exigências não fossem cumpridas, o projeto de aprovação do H421 ficaria como moratório. Não é o que estamos vendo acontecer. É uma posição, no mínimo, ambígua do Brasil.
 
Estima-se que, em média, cada árvore de eucalipto absorva cerca de 30 litros de água potável ao dia. Com a atual crise da água enfrentada pelo país, o que essa aprovação representa para o nosso sistema hídrico defasado?

O principal especialista da Esalq afirmou pessoalmente que o maior consumo de água acontece nos primeiros quatro anos de plantio.

O eucalipto transgênico tem o seu processo de crescimento encurtado. Ou seja, entre o plantio e a colheita é quando ocorre o maior consumo de água pela árvore.

Com a crise hídrica que enfrentamos não só no Brasil, mas no mundo, é um erro, um contrassenso a liberação da comercialização do eucalipto transgênico.