quinta-feira, 26 de março de 2015

AOS AMIGOS

Faleceu em Cascais, aos 84 anos, o poeta português Herbert Helder

Amo devagar os amigos que são tristes com cinco dedos de cada lado. 
Os amigos que enlouquecem e estão sentados, fechando os olhos,
 com os livros atrás a arder para toda a eternidade. 
Não os chamo, e eles voltam-se profundamente 
dentro do fogo. 
— Temos um talento doloroso e obscuro.
 Construímos um lugar de silêncio. 
De paixão. 

Alguém salgado porventura
 te
 toca entre as omoplatas, 
alguém algures sopra quente nos ouvidos, 
e te apressa, enquanto corres
 algumas braças acima 
do chão fl uido, leva-te a luz e subleva,
 tão aturdidos dedos e sopros, 
até ao recôndito, 
alguma vez te tocaram nas têmporas e nos testículos, alto, 
baixo,
 com mais mão de sangue e abrasadura, 
e te cruzaram nesse furor, 
e criaram, com bafo
 ardido, ásperos sais nos dedos, e te levaram,
 a luz corrente lavrando o mundo, 
cerrado e duro e doloroso, acaso 
sabias 
a que domínios e plenitudes idiomáticas 
de íngremes ritmos, que buraco negro,
 na labareda radioactiva, 
bic cristal preta onde atrás raia às vezes 
um pouco de urânio escrito 

de A Faca não Corta o Fogo 

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