quarta-feira, 25 de março de 2015

TRIÂNGULO AMOROSO GAY E ROLEZINHOS

Malu Fontes*       










O Brasil é um país engraçado. Aliás, todo país, por mais inóspito, conservador, rico ou pobre que seja, deve ter, claro, a sua graça. E os avessos dela, embora meio mundo tenha medo da palavra que os descrevem. Mas falar das graças internas é algo que sempre se faz com mais autoridade e domínio de causa. Veja-se agora: 2014 já deu as caras com os brasileiros se engalfinhando, das ruas aos novos fóruns de diálogos (ou rinhas) que a tecnologia hoje permite, entre dois temas que têm alterado os ânimos nacionais. Até aí tudo bem, pois de polêmicas e debates vive toda e qualquer sociedade. O engraçado aqui é o fato de o embate 1 ser completamente da esfera do ficcional e o 2 ser da ordem do concreto até não poder mais. Claro, fala-se aqui do triângulo amoroso gay da novela das nove (que para ficar ainda mais revolucionário é quase um quadrado, ao colocar como um vértice extra, e ainda na condição de vilã, uma mulher e quase mãe), e dos rolezinhos, o fenômeno que tem levado milhares de adolescentes da periferia para os templos de consumo.

Pois não é que o país está tematicamente dividido? Não se fala em outra coisa. Ora são os rolezinhos, ora é o trio gay da novela, tratados, os dois temas, seja com ódio profundo ou como se todos estivessem assistindo a uma revolução dos costumes nunca dantes vista na história deste país, tanto num caso como noutro. Imagina, num país latino, onde a homofobia mata, e mata muito, três homens ricos, brancos, belíssimos e bem- sucedidos disputando a costela um do outro, no típico desfecho “quem vai ficar com o mocinho”. Nesse caso, diga-se, com o carneirinho, o primeiro gay pãe-solteiro (homossexual, pai e mãe de dois garotos) da teledramaturgia brasileira. Na outra esfera de arena, o pau literalmente quebra com os rolezinhos, cujos garotos que deles participam são objeto de uma diversidade de adjetivos que os dicionários mal dão conta de contemplar: para descrevê-los, o povo oscila entre ‘adolescentes de bairros pobres’ ‘arruaceiros, ladrões e baderneiros’.

Da estranheza causada pelo fato de um tema tão concreto como as formas de comportamento de jovens moradores de periferia rivalizar, em interesse público, polêmica e debate, com um triângulo amoroso homossexual masculino de um relato ficcional, emergem outras duas, seja na fala das ruas, nos fóruns on line dos veículos de comunicação ou em qualquer rede social. A primeira é o preconceito que pessoas tão ou mais pobres que os protagonistas dos rolezinhos manifestam contra eles e sua presença nos shopping centers. Sorry, mas não está valendo a máxima de que eles são sinônimos de ladrões. Veja-se em qualquer veículo de comunicação minimamente sério a quantidade de rolezinhos que já ocorreu nas principais cidades do país, o número estimado de jovens que deles participaram e a relação desses números com o de furtos. Rolezão mesmo que se preze é ver estampado nas manchetes de jornais locais e nacionais bandos armados até a medula entrarem em shoppings para assaltar de supermercados a joalheiras.

 
A outra estranheza é causada pela percepção de uma espécie de deformação atávica do telespectador brasileiro quanto aos supostos prejuízos intelectuais causados pela TV, sobretudo pela Rede Globo e por suas novelas. Trocar dois dedos de prosa como muita gente que se acha normalzinha porque leu uma orelha de livro de autoajuda vai levar ao que parece ser um consenso nacional: a culpa de tudo de ruim que há neste país é da TV. E, como é assim, muito interlocutor de mesa de bar, e agora de desktop ou teclado touch, empina o peito feito pombo de raça para dizer, orgulhoso, que jamais vê TV. Ah, tá. Com tanta gente não vendo TV e a audiência sendo tão grande, certamente esse público todo é composto por marcianos.
* Malu Fontes  é jornalista e professora de jornalismo da Ufba

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