sábado, 4 de outubro de 2014

TIRO OU NÃO TIRO?


Aos vinte anos, entradas. Discretas. Aos trinta são mais para fiordes. Aos quarenta, o espelho d´água permite atracar os maiores cargueiros. Aos cinqüenta, já morando na Bahia, a calvície, prova irrefutável da genética familiar. Coroa mesmo. Bem mais cedo, porém, fora iniciado às sutilezas da etiqueta do chapéu e usava-os incontidamente. 

À esquerda da entrada de casa, aqui está o porta-chapéus sanfona, daqueles bem simples, comprado na feira de São Joaquim, mostruário indiscreto das incessantes brigas contra os sois, tropicais ou glaciais. Do México, em palha de bananeira, da Colômbia com discreta borda preta, da Bolívia, feltro preto.

Até que, em novembro passado, fui convidado para o festival de cinema de Cuenca. Seria agora ou nunca. Possuir o objeto do desejo de nove de cada dez carecas: um verdadeiro panamá. 

Durante dois dias andei de fábrica em fábrica perguntando sobre qualidades e estilos. Até que, na Casa Barranco, não perdi a cabeça – teria sido um contra-senso – e comprei três magníficos panamás de fina palha. Nada que se enrole e caiba em um tubo de charuto. Isso é conversa para play-boy dormir. A palha, muito frágil, quebra em pouco tempo. 
Não escolhi os mais caros, mas os mais sólidos, aqueles que os autóctones usam.

Voltando à etiqueta... Nos anos 90 apareceu no New Pelô uma tal de Confraria do Chapéu. Iniciativa tão efêmera quanto simpática. O ápice aconteceu em 25 de agosto, data magna da República Oriental do Uruguai, quando os enchapelados entraram no consulado pretendendo manter a identidade comum na cimeira.

Tira, não tiro, então retire-se. Muito contrariados, os confrades se renderam. Chapéu não se usa dentro de casa, por razões evidentes. Tira-se para falar às senhoras e na igreja. Mas hoje, homens jantam com chapéu grudado no cabelo gorduroso e, na catedral, moleques rezam de boné. 
Perdem-se rituais, perdem-se memórias.




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