segunda-feira, 5 de agosto de 2013

TRIBUTO A FRANCISCO

Paulo Ormindo de Azevedo

A ficha custou de cair. Só com seu debut internacional comecei a compreender a eleição de um desconhecido para tão alto posto. Há uma piada maldosa que mostra o estilo de dois santos católicos. Um paraquedista ao saltar percebe que o paraquedas não se abre e grita: valei-me meu São Francisco! Uma imensa mão sai de uma nuvem o segura e pergunta: de Assis ou Xavier? Confuso, ele diz: de Assis. A mão se abre e ele cai. A poucos metros do chão o paraquedas se abre milagrosamente e ele aterrissa suave à margem de um lindo lago azul.

Não me convencia a imagem da mídia de um Papa humilde e carola. Mesmo porque Francisco de Assis foi um jovem boêmio e rebelde que rompeu com a família burguesa para viver em uma comunidade meio-hippie junto à natureza e aos excluídos. Seu nome cresceu nos debates prévios ao conclave. Uns amigos italianos me contaram que a Cúria estava cansada dos estrangeiros e de suas 151 viagens, 1340 beatificações e 483 canonizações, mais que o somatório dos cinco séculos anteriores, enquanto a casa era abandonada. Queriam de volta um italiano. O novo Papa é de uma cepa italiana e espanhola e consegue juntar dois vinhos finos em um só: o suave e o seco.

Vejo-o como um cidadão do mundo, atualizadíssimo, que preferiu um nome simples, ao de Leão, Pio ou Bento (Benedictus), mas não o “povereto” da mídia. Um homem de fala mansa e bem humorada que conquista a todos com sua sinceridade e seu carisma discreto, mas convincente. Um Papa que prefere ser chamado de o Bispo de Roma, que já não é capital de um império, e conviver com seus companheiros de todo o mundo ao invés da solidão do trono e das galerias de estatuas silentes. Mas que tem consciência plena de seu papel como líder mundial, mais que de um guru de uma congregação particular.

Com a renuncia de Ratzinger se fecha o ciclo de ferro criado pela Sra. Tatcher, Reagan e Wojtyla. O cardeal Jorge Mario Bergoglio nunca deu ouvido a eles e continuou a mandar seus padres para as favelas e se reunir semanalmente com os ministros de outras religiões em Buenos Aires. Não obstante sua maneira afetuosa de beijar uma desafeta e abraçar os ministros de outras religiões, já mostrou que veio para arrumar a casa e mudar a Igreja, ao afirmar que é obrigação do cristão participar da política e combater a corrupção e a exclusão social (http://youtu.be/yf18qQwTdeY). Que os jovens devem ir às ruas e protestar porque a Igreja não é uma ONG assistencialista.

Para contrabalançar a canonização do conservador João Paulo II ele forçou, ao arrepio da Cúria, a canonização de João XXIII, o responsável pelo aggiornamento da Igreja no século XX. Esta é uma mudança radical na politica da Igreja nos últimos 34 anos. A condenação da Teologia da Libertação provocou a perda de milhões de fieis e de excelentes quadros, como Leonardo Boff e Frei Beto, e facilitou o avanço dos vendilhões de graças e milagres nas periferias.

Ele disse para o Brasil e para o mundo que não trouxe ouro nem prata. Condenou a acumulação capitalista, a droga, a corrupção e o preconceito, defendeu o estado laico, a diversidade religiosa e o dialogo e conclamou a juventude a lutar por um mundo mais justo e fraterno sem perder a esperança que isto é possível.

Celibato, ordenação de mulheres, e planejamento familiar consciente dependerão de um novo concilio e ele não pensa nisto, senão na retomada de bandeiras esquecidas do Vaticano II, como a opção pelos pobres, o ecumenismo, a mobilização de leigos e jovens, e um maior controle interno da Igreja: da burocracia, da pedofilia, da lavagem de dinheiro e do jogar o lixo debaixo do tapete.
O que fez cair minha ficha foi a imagem do Papa subindo apressado a escada do avião para não perder o voo, resguardando a pesada pasta dos seguranças. No Rio ele enfrentou de janelas abertas engarrafamentos, protestos de ruas, “as vadias”, a falta de energia municipal, o lamaçal imobiliário de Guaratiba, chuva e frio. Deu seu recado e se despediu sorridente como chegou, à margem da baia azul da Guanabara e à sombra do Cristo Redentor. Habemus Papam!



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