CONFESSO QUE, QUANDO VI O RETRATO DA MADAME, PENSEI QUE FOSSE UMA PIADA. ALÉM DO RIDÍCULO, ESTE QUADRO É MUITO MAL PINTADO!
“Museu dos Horrores”: Convento das Mercês
precisa ter outra função social
A Folha publicou reportagens sobre este assunto, ainda em julho, no jornal impresso, no site e na TV Cultura, com quem mantém uma parceria através da TV Folha. As reportagens deram destaque a uma sala que hoje existe no Convento, contendo quadros com as imagens de Sarney, seus familiares e aliados, retratados como se fossem santos católicos. Um fato grotesco e que revela, entre outras coisas, o nosso profundo atraso político...
A relação entre o museu de Sarney e o Convento, desde o início, foi marcada pela ilegalidade, pois o prédio sendo público e tombado, não podia ser doado para uma fundação particular. Em 1990, o governo maranhense na época sob o comando do hoje senador João Alberto de Souza (PMDB-MA) doou, de maneira ilegal, o antigo Convento para uma fundação particular, recém-criada por Sarney. A partir dali, começou uma história que expôs uma vaidade tão estranha quanto ridícula, incluindo mausoléus, estátuas de vivo, parentes vestidos de santos etc. Tudo somado com sucessivas denúncias de corrupção e novas ilicitudes envolvendo a entidade.
Em 2004, o Ministério Público Federal entrou com uma ação na Justiça, exigindo a devolução do imóvel para o patrimônio do Estado. Como consequência, recentemente, a fundação privada foi extinta e Roseana (enquanto governadora) recebeu a devolução do imóvel, criando uma nova fundação (pública) com um estatuto que deu amplos poderes à sua família de manter ad eternum o museu do seu pai dentro do prédio histórico. A OAB disse logo de saída que o estatuto da nova fundação é ilegal, “próprio de um regime monárquico”. Depois, o vacilante Ministério Público estadual sinalizou haver outras ilegalidades no processo de extinção da antiga fundação privada. Enfim, do ponto de vista legal, segue a lambança!
Mas, tudo isso é menor! Mais grave do que as várias ilegalidades pontuais é a perpetuação da imoralidade geral. É a exaltação e a veneração de uma figura e de um grupo que representam o que há de pior na política brasileira (se é que se pode chamar o que eles fazem de política). Mesmo que as novas ilegalidades venham a ser corrigidas, aquele museu não pode ficar no Convento. Ele tem que sair dali. Aquele imóvel precisa ser destinado para algo que, de fato, tenha relevância social. Ali pode funcionar um hospital, uma escola, um centro cultural ou, quem sabe, outro museu, um que trate das lutas sociais do nosso estado (Balaiada, Greve de 51, Greve dos Estudantes etc.), longe do culto à personalidade de quem quer que seja.
O fato é que a sociedade maranhense não tem a obrigação de seguir bancando o museu que ainda está lá. O acervo pessoal de Sarney tem que tomar outro rumo. A família do senador do Amapá é dona de ilhas, mansões, prédios, sítios, fala-se até de um castelo na Europa. Uma fortuna de origem bastante suspeita (para dizer o mínimo). Um destes imóveis da família, espalhados pelo Brasil e pelo mundo, poderá receber de volta os objetos de Sarney, suas estátuas, seus presentes, suas fotos com os ditadores etc. E tudo precisa ser feito dentro de um processo legítimo e democrático, que represente um avanço, uma conquista da sociedade maranhense. Não estamos sugerindo nenhum tipo de revanchismo. É apenas uma questão de bom senso.
Sobre este caso do Convento, um exemplo que deve ser observado pela sociedade maranhense (e brasileira) vem do Chile. Lá, em 2008, dois anos após a morte do ex-presidente da república Augusto Pinochet, a família dele resolveu fazer um museu, criando uma fundação privada, instalada num local privado e financiada com capital privado. A família de Pinochet reuniu, em quatro salas, objetos que pertenceram a ele, entre soldados de chumbo, estátuas de Napoleão, medalhas, uniformes, condecorações, presentes, um imenso arquivo de fotos, bustos (dele e de seus aliados), fotos da família e a imagem de um Jesus crucificado... A iniciativa movimentou o Chile. Mesmo com Pinochet morto e tudo tendo sido feito a partir da iniciativa privada, houve vários protestos, com o local sendo chamado de “Museu dos Horrores”. Os aliados do ex-presidente defenderam sua memória. Com o conflito, a sociedade chilena exerceu o seu papel num processo democrático. Diante do debate acalorado, na mesma semana em que o museu de Pinochet foi inaugurado, o governo chileno, da época, lançou, em Santiago, a pedra fundamental de um “museu para os direitos humanos”. Este sim, público.
E o Maranhão? Como fica o estado mais pobre do Brasil? É óbvio que é humilhante para um povo massacrado ser obrigado, na sua totalidade, a sustentar e abrigar este outro “Museu dos Horrores”. O imenso poder conquistado por Sarney está ligado ao aprofundamento da miséria e da corrupção, a antigas e sucessivas fraudes eleitorais, a grilagem de terras, a todo tipo de violência no campo (ameaças, despejos, assassinatos...), a devastação ambiental, a madeireiros, escravistas, a sua participação direta em uma sangrenta ditadura, a mesma que censurou, perseguiu, exilou, torturou e matou.
Concluindo, não dá para nós financiarmos o culto a práticas que têm que ser combatidas. Com o novo ambiente criado no Brasil, estamos num momento propício para aprofundar o debate em torno das mudanças que queremos no Maranhão. E, do ponto de vista simbólico e pedagógico, a função social do Convento das Mercês, deste valioso patrimônio público, é algo que precisa ser necessariamente mudada! Sabemos que esta mudança tem chances remotas de acontecer, agora, em 2013. Mas podemos, desde já, plantar esta semente...
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