Conta-se que Bocage, ao chegar a casa um certo dia, ouviu
um barulho estranho vindo do quintal.
Chegando lá, constatou que um ladrão tentava levar os seus
patos de criação.
Aproximou-se vagarosamente do indivíduo e, surpreendendo-o
ao tentar pular o muro com os seus amados patos, disse-lhe:
-Oh, bucéfalo anácrono! Não te interpelo pelo valor
intrínseco dos bípedes palmípedes, mas sim pelo acto vil e sorrateiro
de profanares o recôndito da minha habitação, levando meus ovíparos à
sorrelfa e à socapa. Se fazes isso por necessidade, transijo... mas se
é para zombares da minha elevada prosopopeia de cidadão digno e
honrado, dar-te-ei com a minha bengala fosfórica bem no alto da tua
sinagoga, e o farei com tal ímpeto que te reduzirei à quinquagésima
potência que o vulgo denomina nada.
E o ladrão, confuso, diz:
-Doutor, afinal levo ou deixo os patos?
Manuel Maria de Barbosa l'Hedois du Bocage (Setúbal, 15 de Setembro de 1765 — Lisboa, 21 de Dezembro de 1805) foi um poeta português e, possivelmente, o maior representante do arcadismo lusitano. Embora ícone deste movimento literário, é uma figura inserida num período de transição do estilo clássico para o estilo romântico que terá forte presença na literatura portuguesa do século XIX.
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