terça-feira, 2 de junho de 2015

VIOLÊNCIA NA LADEIRA DA MONTANHA

As casas destruídas 
na Ladeira da Montanha 
e uma proposta 
que vem da Suíça

Há pouco mais de um ano, quando nós carimbamos cerca de 30 casas entre o Santo Antonio e o Pelourinho com a frase “Aqui Podia Morar Gente”, nós alertamos para o número absurdo de casas, apartamentos e galpões abandonados no Centro Histórico de Salvador. São mais de 1.500, seguindo dados do próprio governo. Muitas delas correm o risco de desabamento.
Muita gente se interessou pelo assunto “Centro Histórico”, que veio à tona mais uma vez. Creio que nós tivemos uma excelente oportunidade para refletir sobre o destino desse que é um dos mais importantes parques arquitetônicos do planeta. Patrimônio da humanidade do qual deveríamos ter orgulho, pois é realmente belo e especial!
Como conseqüência positiva a nossa ação, a empresa comandada por Luciana Rique colocou à venda boa parte de seus 36 casarões abandonados. Pelo menos 14 imóveis já foram negociados até então. Pressionada, Luciana Rique negociou os casarões por preços razoáveis e logo apareceram compradores! Uma prova de que a sociedade está interessada em ocupar e cuidar dessa região.
Um trecho do Santo Antonio que estava desertificado já possui mais famílias cuidando desses imóveis que estavam totalmente fechados. E dá uma alegria danada ver as janelas dessas casas abertas, com pessoas, crianças, gatos e cachorros! Famílias inteiras que compram pão na padaria e frutas no mercadinho. A rua se tornou mais segura e, claro, o patrimônio de toda a humanidade fica preservado.
Cerca de 12 casas voltaram “à vida”... Tudo isso ainda é pequeno diante da dimensão do problema, claro. Mas, já nos dá ânimo e nos faz pensar se em grande escala o Centro voltasse a ser habitado.
Por parte do poder público, logo após a nossa carimbagem no ano passado, lembro-me bem que gestores municipais e estaduais vieram a público para falar das soluções imediatas que tomariam. Segundo Beatriz Lima, que era responsável pelo Escritório de Referência do Centro Antigo, “uma verdadeira revolução estava em curso na região, com milhões de investimento”. Algo assim.
Como se sabe, nada de significativo foi feito na região. Prefeitura e Governo do Estado continuam a ignorar de forma solene o Centro Histórico.
Aliás, a Prefeitura decidiu não ignorar mais, mas só que da pior maneira possível. Em uma semana, cerca de 31 casas/ fachadas foram demolidas. Nove delas estavam localizadas na Ladeira da Montanha. Tudo isso com o aval do IPHAN, que agora se esforça para provar que as casas estavam descaracterizadas.
Trata-se de um crime! Não apenas a demolição, mas a falta de ação de todos os gestores responsáveis pela preservação do patrimônio arquitetônico, por décadas!
Pouco importa se as casas estavam correndo risco de desabamento. Os poderes federal, estadual e municipal tiveram tempo suficiente para pensar em algo e evitar que a nossa memória se perdesse. Que parte do patrimônio da humanidade, da qual somos responsáveis, simplesmente desaparecesse da noite para o dia.
Nós, como sociedade, continuamos negligentes. Nós precisamos pressionar para que uma política para a região seja pensada, discutida e estabelecida.
Basta de nos acostumarmos com o Centro Histórico eternamente em ruínas. Gasta-se e muito para que centenas de casas permaneçam escoradas.
Três coisas me parecem absolutamente urgentes.

Resultado de imagem para fotos da ladeira da montanha

A primeira delas é garantir a permanência dos trabalhadores e artistas que estão na Ladeira da Montanha. Eles não podem ser expulsos! Esses artífices merecem todo o nosso respeito e consideração. Foram eles que cuidaram dos Arcos da Montanha durante décadas. Não se pode aceitar nada em contrário.
Em segundo lugar: precisa-se controlar a especulação na região. É imoral ver tantos casarões, apartamentos e terrenos vazios, sem cuidado algum ostentando placas de “Vende-se” por anos a fio. A maioria dos proprietários pede valores exorbitantes e poucas casas são negociadas.
Percebam: bastou Dona Luciana Rique colocar suas casas à venda com preços razoáveis para que mais de uma dezena de imóveis fossem negociados em menos de um ano. Ou seja: a sociedade está interessada em cuidar do nosso Centro Histórico!
Desta forma, é importante conhecer um exemplo que vem da Suíça. Trata-se de um programa que se chama “Zona de Desenvolvimento”. Lá, em Genebra, existem áreas consideradas “prioritárias” e de “desenvolvimento”, que estão sob a tutela direta do estado. Nessas áreas, os proprietários não possuem liberdade para vender ou alugar seus imóveis. Eles devem obedecer a um plano estratégico da municipalidade, que determina os valores de aluguel e venda das casas e apartamentos. Assim, evita-se que a ganância desenfreada engesse o local, com imóveis vazios e que, um dia, tragam risco para a população.
Em princípio, em Genebra, os imóveis localizados nessas regiões ficam sob a tutela do estado por cerca de dez anos, mas esse prazo pode ser estendido caso exista a necessidade. Outra coisa: ninguém tem a permissão de deixar suas casas vazias. Sabe-se que um imóvel vazio coloca em risco toda a região. O proprietário perde sua casa, caso não possa cuidar dela.
Claro que é temeroso colocar tanto poder nas mãos da Prefeitura. Já pensou a SUCOM determinando os preços dos aluguéis? Ufa!
O que eu proponho é que um Comitê Gestor para o Centro Histórico, com participação da sociedade, seja criado. Esse Comitê Gestor teria poderes limitados e sempre aprovados em regime de votação aberta com os moradores do bairro.
A terceira questão que me parece urgente é a garantia que boa parte dos imóveis que pertencem ao Governo do Estado sejam transformadas em moradias populares. Não se pode nunca, jamais, esquecer que o Centro Antigo ainda existe graças à população que aqui permaneceu durante décadas. Acredito que reformas que expulsem os moradores devam ser esquecidas, para sempre. Não deu certo nos anos 90. Não dará certo novamente.
O Centro deve continuar a existir como região diversa, democrática, que une artistas, moradores antigos, estrangeiros e toda sorte de gente interessada em nossa história.
Tenho certeza de que já passou do momento de se fazer algo, de forma concreta.

Para quem quer conhecer um pouco mais do modelo suíço:

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