GRAVE AMEAÇA AO MEIO AMBIENTE NO LITORAL DA BAHIA
Rodrigo Souza Britto *
Nos dias 06 e 07 de março de 2015, realizou-se na Universidade Católica do Salvador (UCSAL), na Bahia, novo Encontro Nacional da Associação Juízes para a Democracia (AJD), que teve o objetivo de promover um diálogo entre os movimentos sociais, a magistratura e o ambiente acadêmico. Durante o evento, dentre outros temas, foi discutido o conflito decorrente da implantação de projetos imobiliários que ameaçam o meio ambiente natural e cultural na Ilha de Boipeba, no litoral baiano.
Entendendo que, para se concretizar os valores democráticos, é imprescindível o conhecimento da realidade social, o núcleo baiano da AJD promoveu evento com o apoio da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), nos dias 01 a 03 de maio de 2015, em Cova da Onça, na Ilha de Boipeba, para compreender o referido conflito.
Ao chegar na Ilha, no dia 1º de maio de 2015, tivemos a oportunidade de dialogar com as comunidades tradicionais da região, em um Seminário que ocorreu na Biblioteca local. No dia 02 de maio de 2015, durante o dia, conhecemos a ilha, incluindo os locais tradicionais de pesca artesanal, de mariscagem e de extrativismo da região. À noite, nos encontramos novamente na Biblioteca para assistir ao filme “Vento Forte”, que aborda situações de conflitos socioambientais em comunidades pesqueiras do Brasil, dialogamos sobre o conflito em entre a iniciativa privada e as comunidades tradicionais, esclarecendo a população sobre os seus aspectos jurídicos, e encerramos o dia com uma apresentação cultural, na qual a comunidade local brindou os participantes com sua cultura, recheada de dança, música, poesia e teatro.
Por fim, finalizamos o evento, no dia 02 de maio de 2015, na Universidade do Estado da Bahia (UNEB), na cidade de Valença - BA, com o Seminário “Impactos Socioambientais no Baixo Sul e o Sistema de Justiça”.
Após os diálogos e seminários, constatamos que Cova da Onça (São Sebastião) é uma comunidade composta por aproximadamente 900 pessoas, a maioria vivendo tradicionalmente da pesca artesanal, da mariscagem e do extrativismo, no sul da Ilha de Boipeba, local que se caracteriza por um incomparável meio ambiente natural preservado e uma grande biodiversidade.
Em 23 de abril de 2014, foi divulgado o RIMA do projeto turístico e imobiliário Fazenda Ponta dos Castelhanos. Trata-se de empreendimento que ocupará 20% da Ilha de Boipeba e pretende construir e comercializar 69 lotes para residências com áreas de até 80.000 m2, um condomínio com 32 casas nos morros das mangabas, duas pousadas, cada uma com 3.500 m2 e a mais 25 casas, um aeroporto com 221.886 m2, um campo de golfe com 18 buracos e uma área total de 3.700.000 m2, um píer com infraestrutura náutica, um parque de lazer, um sistema de abastecimento de água e de rede de energia e uma infraestrutura para processamento e destinação de resíduos sólidos.
O Projeto acarretará graves impactos no meio ambiente natural e cultural. Decerto, o tamanho do projeto é incompatível com uma ilha pequena como a de Boipeba, que possui ecossistemas sensíveis e recursos naturais limitados. Com a sua implantação, haverá o desmatamento de manguezais e de áreas de preservação permanente, alteração dos locais de desovas de tartarugas marinhas, aterramento de uma área de 221.886 m2 com cerca 100.000 m3 de solo e areia tirados na localidade, danos ambientais aos córregos, prejuízos para o abastecimento de água no local e outros danos irreversíveis.
Além disso, o projeto deixará o povoado de São Sebastião isolado, prejudicando o seu acesso às áreas de suas plantações de mangabas e de captura de guaiamuns e siris, produtos que sustentam a comunidade. Nesse contexto, além dos danos ao meio ambiente, o empreendimento está ameaçando gravemente o direito cultural da comunidade, consistente no seu modo de se expressar, criar, fazer e viver, pois impedirá o acesso ao seu principal modo de subsistência.
O mais grave é que o local onde o empreendimento pretende se instalar é um imóvel público pertencente à União. Ora, a concessão de terras públicas deve observar o interesse público, de modo que a regulação fundiária tem que ser a partir do ponto de vista coletivo, preservando o meio ambiente cultural e natural, não se admitindo o uso de imóveis públicos com a finalidade de especulação imobiliária (compra e venda de lotes).
Destarte, a implantação do projeto Fazenda Ponta dos Castelhanos, devido ao seu potencial de dano ao meio ambiente natural e cultural, bem como pela especulação imobiliária de bem público, merece uma especial atenção dos poderes constituídos, especialmente dos Ministérios Públicos Estadual e Federal, bem como do Poder Judiciário.
* Rodrigo Souza Britto é Juiz de Direito Substituto na Bahia e membro da Associação Juízes para a Democracia.
Todo apoio à luta (que vai ser homérica) contra esse descalabro em Boipeba.
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