terça-feira, 30 de junho de 2015

QUEM É ESSE MORTO FAMOSO?

MALU FONTES
Que as coisas estão tensas no Brasil, e, diga-se de passagem, no mundo, não é novidade para ninguém. Mas, em termos de notícias, na última semana, marcada no Nordeste pelo feriadão junino, as coisas estiveram mais para intensas. E bota intensidade nisso. Entre a prisão dos líderes das maiores e mais ricas empreiteiras nacionais, o barulho gerado pelo fato de um dos principais âncoras de rádio e TV do país, Ricardo Boechat, mandar, ao vivo, o pastor Silas Malafaia, o homofóbico-mor da nação, ir procurar um órgão sexual masculino, metaforizado no nome de uma inocente ave e a explosão da onda do arco-íris nas redes sociais, comemorando o casamento entre pessoas do mesmo sexo nos Estados Unidos, uma tragédia caiu na boca do povo.  
Nunca a morte de ninguém no Brasil se transformou num Fla-Flu, aliás num Ba-Vi, para trazer as coisas para a metáfora futebolística doméstica, tanto quanto a de Cristiano Araújo, um cantor sertanejo goiano de 29 anos, vítima de um acidente de trânsito no dia 24. De um lado, milhões se perguntavam quem era o morto, espantados com o espaço de horas e horas destinado para a cobertura do fato pelas quatro principais emissoras de TV do país, com direito à alteração da programação normal da Rede Globo e a várias inserções ao vivo, direto do velório, no Jornal Nacional. Do outro, outros tantos milhões não apenas achavam o espaço dado pela imprensa ao cantor morto algo naturalíssimo, como se insurgiam contra a turma dos desconhecedores do cadáver. 


A segunda turma, os milhões que desconheciam Cristiano Araújo, passou a ser xingada, ofendida, desqualificada e acusada pela primeira, milhões de fãs do cantor que se multiplicavam como em geração espontânea, de viver numa bolha onde vivem alienígenas que desconhecem os verdadeiros ídolos populares. No tribunal inquisitivo das redes sociais, desconhecer o cadáver era falha grave, quase critério de desmerecimento do direito de viver no Brasil, um marcador de classe gravíssimo, sinônimo de alienação preconceituosa das mais radicais. 
O episódio desembocou num embate cultural radical: “Em que bolha vocês vivem que desconheciam um ídolo popular como Cristiano Araújo?” versus “Pelamordedeus, quem é esse Cristiano Araújo, de quem nunca ouvimos falar?”. À última pergunta, acrescentava-se argumentos: nos últimos tempos a Globo só alterou sua programação em dois episódios. Na morte de Eduardo Campos, numa queda de avião quando disputava uma eleição para presidente da República, e nos protestos que varreram praticamente todas as metrópoles brasileiras em 2013. 
O fato é que a imprensa não dá ponto sem nó. Basta futucar um pouquinho que logo são encontrados critérios de noticiabilidade que justifiquem tamanho espaço dedicado à morte do cantor. Claro que não haverá consenso quanto a eles. Eis alguns: com a crise da indústria fonográfica e pouquíssimos artistas dando-se ao luxo de serem considerados em ascensão, não deve ser pouca coisa para empresários, gravadoras e empresas de comunicação interessadas nesse bussiness, um cara que vem, na hierarquia da fama, prometendo ser o sucessor de Gustavo Lima, que foi antecedido por Luan Santana, antecedido por Michel Teló, etc. Sem promessas, essa indústria surta. Outro detalhe: com índices de audiência em queda, as emissoras abertas cedem cada vez mais à tentação de tornarem-se urubus diante de um cadáver famoso ou semi. Uma tragédia envolvendo um novo ídolo que parecia repetir a trajetória dos filhos de Francisco (a saga de Zezé de Camargo e Luciano) rende histórias e tanto. Procurando, portanto, acha-se, sim, razões para William Bonner levantar da bancada e reverenciar os mortos Cristiano e Allana.

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