E se fossem bandidos?, quer saber o homem comum. Não bastaria prender, tem que matar? No que se transforma um homem que mata sem a necessidade de matar? O homem comum quer entender o efeito do tiro em quem o dispara. O homem de bem não tem paciência para essas conjecturas. Um cadáver será sempre um cadáver, um homem de bem será sempre um homem de bem, imutáveis as suas naturezas. Está com pena? Então leva para casa, ele diz. Quando for com você, quando matarem o seu filho, quando roubarem a sua casa, diz o homem de bem, sem se importar que morreram filhos e irmãos e netos de alguém. Bandido bom é bandido morto, mesmo se não for bandido, porque tem cara de bandido e um dia será bandido. O homem de bem não duvida, não hesita. Ele paga os seus impostos em dia, ele quer os seus bandidos mortos. O homem de bem nunca esteve no lugar errado na hora errada, nunca escolheu um sabor ruim de sorvete. A bala que mata o bandido não abala o homem de bem.
A TV mostra imagens dos corpos torturados. O homem comum se pergunta: por quê? Como? Mas não o homem de bem. O homem de bem quer saber de onde surgiram as imagens. É crime divulgá-las, garante. Um ladrão rouba dois frascos de repelente, os policiais o prendem, cumprindo sua função, mas também o chutam, algemado, no chão. O homem comum quer saber para quê. O homem de bem defende o chute. É bandido. E bandido bom... A mulher pobre provoca um aborto em si mesma, o médico denuncia, a polícia prende, o homem de bem aplaude. Está na Lei, é o que diz. Dois meninos de mãos dadas, duas meninas trocando um beijo, lâmpadas quebradas em seus corpos, chutes, socos, tiros. Quem manda seguir o caminho errado?, avisa o homem de bem, a mão repousada no seu livro sagrado. O homem de bem quer construir um mundo bom para se viver, quer todos os meninos e meninas no caminho do bem. O homem de bem quer o tiro, o chute e a prisão, o homem de bem quer sangue. O homem de bem vai ao paraíso quando morrer. O paraíso é a consciência de um homem só.
Moema Franca
(crônica Cotidiano )
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