A apresentadora Rachel Sheherazade e o historiador tucano Marco Antonio
Villa sabatinaram o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad. A entrevista foi
marcada por um festival de gafes, falta de informação e despreparo
Na quarta-feira da semana passada (12/02), Fernando Haddad esteve no
programa “Jornal da Manhã”, da rádio Jovem Pan. Para entrevistá-lo foram
convocados dois antipetistas assumidos, o historiador tucano Marco Antonio
Villa e a apresentadora de telejornal do SBT Raquel Sheherazade (ouça a
íntegra da entrevista aqui).
A disparidade de preparo intelectual entre os entrevistadores e o
entrevistado ficou escandalosamente evidente. Villa foi quem mais sofreu, apesar
de que, em nenhum momento, Haddad o desrespeitou. Apenas mostrou quão
desinformado é o historiador sobre os assuntos que pretendeu debater com um
administrador que demonstrou dominar cada aspecto da administração que comanda.
Sheherazade ficou aparentemente intimidada e pegou mais leve. Villa,
porém, apesar de muito mais agressivo, ficou tão perdido que começou a apelar à
ironia como forma de suprir sua falta de informações e de argumentos.
Nos primeiros minutos da longa
entrevista (foram 80 minutos) que Haddad concedeu,
o prefeito já deu um “chega-pra-lá” em Villa.
Confira abaixo:
Marco Antonio Villa – O senhor já percorreu mais da
metade do mandato. A última avaliação Datafolha do senhor não foi positiva.
Quando é uma avaliação no primeiro mês, no primeiro semestre, no primeiro ano,
sempre há uma justificativa do mandato anterior; historicamente é no Brasil
assim. Mas o senhor já cumpriu mais da metade do mandato e a avaliação ruim e
péssimo é extremamente alta para os padrões inclusive de São Paulo, onde os
prefeitos inclusive também foram mal avaliados; é de 44%. Como é que o senhor
avalia? Quem é que está errado, a gestão do senhor ou os eleitores.
Fernando Haddad – Acho que você…
Marco Antonio Villa – É? Os dados estão errados?!
Fernando Haddad – Não, você. Vila, você é
historiador…
Marco Antonio Villa – Sim…
Fernando Haddad – …Então você tem que fazer análise
de série histórica…
Marco Antonio Villa – Sim…
Fernando Haddad – …Se fosse pegar o primeiro
semestre do terceiro ano da gestão da Marta e do Kassab, vai ter, exatamente, a
mesma avaliação…
Marco Antonio Villa – Sei, sei… Eu precisava
consultor esses dados… Então o senhor acha normal ter 44% de ruim e péssimo
depois de dois anos de gestão?
Fernando Haddad – Dependendo da conjuntura, sim.
Marco Antonio Villa – E que conjuntura que o senhor
tem que o senhor pode explicar que a gestão… Que os eleitores estão errados,
que eu estou errado, que o senhor está certo?
Fernando Haddad – Não, eu não estou dizendo que os
eleitores estão errados…
Marco Antonio Villa – Sei…
Fernando Haddad – Estou dizendo que a sua análise
está errada. Você falou que é a primeira vez que isso acontece e eu estou
dizendo que não…
Marco Antonio Villa – Sim…
Fernando Haddad – Estou dizendo que na gestão da
Marta aconteceu, na gestão do Kassab, antes da reeleição, aconteceu e,
portanto, não é uma novidade em São Paulo…
Marco Antonio Villa – E por que que isso acontece?
Fernando Haddad – Olha, tem várias razões. Por
exemplo, tarifa de ônibus. É uma coisa que afeta muito a popularidade no
Brasil, mas, em São Paulo, em particular…
Marco Antonio Villa – Sim…
Fernando Haddad – Se você pegar os quatro anos de
mandato da gestão da Marta e os quatro anos de mandato da gestão Kassab – o
segundo mandato, porque o primeiro não houve reajuste e, no segundo, um
reajuste muito acima da inflação – você vai ver que as pesquisas que foram
feitas na sequência dos reajustes de tarifa, deram indicadores [negativos]
superiores a esse que você acabou de se referir…
Raquel Sheherazade – Prefeito Haddad…
Fernando Haddad – … Em março de 2003, a Marta
estava no terceiro ano de mandato, como eu. Teve 45% de ruim e péssimo.
Imediatamente depois do reajuste da tarifa. Se você pegar os dois reajustes do
Kassab no segundo mandato, chegou a 46% de ruim e péssimo. Basta você [Villa]
pegar a série história – você é historiador, sabe fazer leitura de números – e
vai ver que a coisa é bem diferente […]
Ainda no início da entrevista, Rachel Sheherazade ironizou o fato de ter
demorado para chegar ao trabalho naquela manhã. A jornalista, que mora em
Barueri, afirmou que, por conta do trânsito, leva muito tempo para chegar da
sua casa até os estúdios da Jovem Pan.
“Você vem de Barueri? Uma hora até aqui é razoável, não?”, respondeu
prefeito, lembrando que Barueri já é uma outra cidade e que a locomoção até a
capital passa por rodovias que não são de competência da prefeitura.
O jornalista Paulo Nogueira tratou da entrevista do prefeito Haddad ao
programa da jovem pan em umtexto publicado no Diário do Centro do Mundo.
Leia abaixo:
Só ouviria a Jovem Pan sob a mira de um revólver.
Não seria a presença de Haddad na rádio que me levaria a sintonizá-la.
Não dou a minha audiência às mídias que entendo
fazerem mal ao Brasil. Aproveito melhor meu tempo.
Acho quase patético que críticos da Globo, por
exemplo, não saiam da emissora. Você frequentemente encontra nas redes sociais
alguém que ataca o JN, e depois o jornal da noite, e depois a Globonews – e
entre tudo isso a CBN.
Você contribui com o inimigo.
Mas razões jornalísticas me fizeram ouvir a
gravação da entrevista com Haddad. A repercussão foi grande.
De resto, minha amiga Priscila Sérvulo me mandou o
link do programa, com uma recomendação para que visse e comentasse.
Pensei comigo: vou experimentar.
Acabei vendo a entrevista toda.
Duas coisas opostas me chamaram a atenção: o
preparo calmo e sereno de Haddad e o despreparo bufão dos entrevistadores Villa
e Sheherazade.
De uma forma geral, foi uma coisa parecida com o
Roda Viva em que Piketty passeou diante de uma bancada hostil e inepta
comandada pelo economista André Lara Resende.
As más intenções da Jovem Pan apareceram antes
mesmo da entrevista.
Sherezade disse que demorara duas horas para ir de
casa para o trabalho. Culpa de Haddad, naturalmente.
Logo aí Haddad também mostrou suas armas. Ele quis
saber de onde ela vinha, e se era assim sempre.
Pressionada, ela admitiu que em geral leva uma
hora. E disse a Haddad que mora no Barueri. Fora da cidade, portanto. Se
morasse em São Paulo, lembrou Haddad, ela perderia menos tempo no trânsito.
Villa foi logo abatido também.
Ele falou na taxa de reprovação de Haddad no meio
do mandato como se fosse um fato novo na história dos prefeitos de São Paulo.
Haddad disse a ele que, como historiador, ele
deveria consultar o passado. Marta e Kassab passaram por situações semelhantes,
e logo depois de aumentar a tarifa dos ônibus, como ele próprio.
Haddad mostrou a relação entre aumento de tarifa e
popularidade do prefeito.
Pego de surpresa, tudo que Villa conseguiu dizer é
que iria pesquisar o assunto.
Isso quer dizer o seguinte: ele não fez a lição de
casa.
Segundo algumas versões, Patrícia Poeta foi
afastada do JN por supostamente não ter se preparado convenientemente para a
entrevista com Marina Silva.
Um editor rigoroso afastaria Villa, mas imagino que
isso não vá acontecer por uma razão: espera-se dele, apenas, que fale mal
continuamente do PT, e não que se prepare para entrevistas. E ele entrega – em
sua maneira caricatural, confusa e frequentemente imbecil — o que esperam dele.
Numa de suas grandes frases, Euclides da Cunha, ao
tratar de Floriano Peixoto, disse que ele chegara à presidência não porque se
elevara, mas porque se operara uma depressão em torno dele.
Haddad se destacou, em parte, pela depressão a seu
redor na entrevista na Jovem Pan.
Imagine alguém que, em pleno 2015, consegue atacar
ciclovias numa metrópole como São Paulo.
É Villa.
Suas observações, se fossem feitas em cidades como
Londres ou Paris, o levariam ao ridículo e ao ostracismo imediatamente.
Mas no Brasil isso lhe dá microfones como o da
Jovem Pan.
Haddad contou suas conversas com prefeitos de fora
do Brasil a respeito das ciclovias.
Disse que é consenso que elas vem antes dos
ciclistas. Sem as ciclovias, as pessoas não vão se arriscar em ruas perigosas.
Nem Sheherazade e nem Villa tinham a menor ideia
sobre o assunto. Sobre nada, aliás – de semáforos quebrados ao preço do metro
quadrado de uma ciclovia.
Ali estava, diante de Haddad, a ignorância
enciclopédica personificada em dois entrevistadores sem a menor condição
jornalística de sabatinar alguém.
Villa, a certa altura, jogou o Petrolão para cima
de Haddad. Chegou a citar Gilmar Mendes, como se a opinião do meritíssimo
valesse alguma coisa.
Haddad desarmou-o imediatamente. Afirmou que, como
todo mundo, anseia pela punição de quem quer que tenha desviado dinheiro
público na Petrobras.
E devolveu a Villa: “Você não quer que os corruptos
do Tremsalão sejam presos? Você não quer que o conselheiro do TCU de São Paulo
indicado pelo Covas sofra consequências pela conta na Suíça com dinheiro da
corrupção?”
Villas balbuciou apenas, a voz mortiça: “Sim.”
Maluf também foi posto na conversa. Haddad disse
que faz aliança não com pessoas, mas com partidos, e à luz do dia. Lembrou que
Serra foi buscar o apoio do mesmo Maluf na calada da noite. “E você não disse
nada”, completou.
Fora do campo objetivo, Haddad também enquadrou
Villa com bom humor.
Ao responder a uma colocação, ele foi interrompido
abruptamente. E então disse: “Puxa, Villa, vocês me atacam todos os dias. Deixa
hoje pelo menos eu me defender.”
Haddad fez o que se espera de um político que sabe
o que quer.
Villa e Sheherazade fizeram aquilo que é inevitável
em entrevistadores que não sabem entrevistar.
Deu no que deu: nocaute.
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