sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

DROGAS, TRAFICANTES E MALEDICÊNCIA

Malu Fontes

Manchetar. Quando um veículo de comunicação pega um assunto e resolve, com ele, carregar nas tintas numa manchete, quase sempre o faz com a intenção de turbinar a notícia, torná-la maior que o fato. No jargão jornalístico, essa estratégia é traduzida por manchetar, ou seja, dar à notícia uma manchete mais forte para causar no leitor um desejo maior de leitura, quase sempre deixando o sujeito da notícia em lençóis piores do que aqueles em que, de fato, se meteu.
Um exemplo clássico de manchetagem nessa semana foi uma declaração da deputada federal Maria do Rosário (PT-RS), ex-secretária nacional de Direitos Humanos. Diante do vai e vem de notícias sobre para onde viriam as cinzas do traficante brasileiro Marco Archer, condenado à pena de morte e fuzilado no último sábado na Indonésia por ter, há 10 anos, entrado naquele país traficando 13,5 quilos de cocaína, Rosário fez um post em seu Twitter dizendo não en tender a celeuma do destino das cinzas, lembrando que o sujeito era um traficante, não um herói. Com a postagem, em uníssono, os veículos de comunicação manchetaram: “Ex-ministra de direitos humanos diz que Archer não era herói, mas traficante”.
Em jornalismo, nenhuma palavra é usada de graça nem à toa e se tem coisa que não sobrevive numa redação de jornal, TV, site ou rádio é inocência. Burrice há e sobrevive que é uma beleza, mas a inocência é sempre devorada pelos dentes escancarados da maledicência dos coleguinhas.
O fato é que o verbo dizer, associado a uma ex-ministra de direitos humanos, diante de um episódio de execução por condenação de um brasileiro à pena de morte, sendo chamado por essa ministra de traficante e tendo, também por ela, ressaltada a sua não condição de herói, soa, até para os anencéfalos, como uma declaração insensível de Rosário. Mas como perguntar não ofende, Marco Archer, por acaso, não era traficante e somente traficante ao longo de toda a sua vida? Era herói? Então, quem disse que ele era traficante foi a ex-ministra? Lembrar, ressaltar, enfatizar, reiterar e trocentos outros verbos declaratórios do tipo são muito mais tradutores do que a deputada disse do que o verbo dizer. No contexto, o verbo dizer soa acusatório, algo como se fosse uma acusação feita por ela.
Há debates e controvérsias morais, éticas, religiosas e legais diante da pena de morte. Mas só a demência intelectual é capaz de ter dúvida do que faz alguém ser nomeado ou não como traficante. Sobre Archer, não foi Maria do Rosário que o adjetivou. No jornalismo, e na vida, é preciso dar nome às coisas. Archer, durante toda a sua vida, inteirinha, não foi outra coisa senão traficante. Palavras dele. Para quem não conhece sua trajetória, fica como sugestão o perfil dele escrito pelo jornalista Renan Antunes, que o entrevistou em 4 dias diferentes na prisão, na Indonésia.
Portanto, nada justifica o barulho feito na imprensa repercutindo o fato de Maria do Rosário tê-lo nominado de traficante e ressaltado que não se trata de um herói para tanto blá-blá-blá sobre para onde iriam suas cinzas. O destino do pó que restou de Archer diz respeito somente à família.
Outras notícias top na semana sobre drogas relacionadas a brasileiros além-mar foram a do outro brasileiro no corredor da morte indonésio também por tráfico e a dos dois irmãos catarinenses bem nascidos que encenaram uma pulp fiction nos balneários mexicanos de Cancún e Playa del Carmen. Lá, se entupiram de drogas ao ponto de terem entrado numa paranoia de que estavam sendo perseguidos pela máfia russa e pela polícia mexicana mancomunada. A versão da paranoia na imprensa: brasileiro morre jogado de prédio em Cancún e irmão está desaparecido. A verdade: um se jogou, alucinado numa bad trip causada por todo o tipo de drogas sintéticas e o outro, tão fora do real quanto, fugiu das alucinações dois dias seguidos após a morte do irmão. Drogas e classe média são a receita ideal para manchetar.

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