terça-feira, 20 de maio de 2014

ALGO DE PODRE...


Há algo de podre no reino da Guanabara

MALU FONTES

Deu no The New York Times. O clichê é batido, sabe-se. Mas quando isso significa que o mais importante jornal do mundo noticiou algo negativo sobre o Brasil, as autoridades do país se transformam todas em mães judias em defesa dos filhos em quem até enxergam defeitos, mas não admitem que terceiros também o façam. Exaltadas, as autoridades partem em defesa da pátria amada. Não poderia ser diferente com o destaque dado ontem pelo New York Times ao estado de emporcalhamento da Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro. O jornal foi da ironia ao tapa na cara com a manchete sobre o mar de lama podre, lixo, carcaças de bichos e excrementos humanos que os atletas das Olimpíadas de 2016 encontrarão nas competições na baía: “Aviso aos navegadores olímpicos: não caiam nas águas do Rio”.
Os olhos do mundo começam a se voltar para o caos ambiental da Baía de Guanabara por uma razão óbvia: ela será o local de muitas das provas de esportes aquáticas dos jogos olímpicos de 2016, sediados no Rio. Faltando apenas dois anos para o evento, as águas da Guanabara continuam sendo sinônimo de latrina. Em tempos de narrativas digitais multimídia no jornalismo, não dá nem para esconder a lama do resto do mundo. O jornal apresenta um vídeo no qual brasileiros e estrangeiros, atletas competidores e especialistas em meio ambiente ‘dão a real’ da Baía. De cocô a sofás boiando, o cheiro de podre é quase o de menos.  

A verdade é que a Copa ainda nem começou e nem bem as autoridades da Fifa começam a avisar aos turistas estrangeiros que o Brasil não é para principiantes, a imprensa internacional já começa a esbugalhar os olhos com o descumprimento de prazos e com o estado de coisas em relação às Olimpíadas de 2016. Aliás, as informações dando conta de que, a cerca de 20 dias da Copa, em média 50% do que era para estar pronto não está, bobo seria o Comitê Olímpico Internacional (COI) se não colocasse as barbas de molho e não começasse a puxar as orelhas dos brasileiros para agilizar o calendário de execução das obras olímpicas.

Não é segredo para ninguém que a coordenação do COI já enviou para o Rio emissários para fiscalizar o ritmo das obras e já anunciou que não é da ordem do descartável a possibilidade de trocar de país/cidade-sede se as coisas continuarem como estão. É aí que entra em cena o comportamento marrento do ministro dos Esportes, Aldo Rebelo. Questionado pelo The New York Times sobre o assunto, reagiu com a mesma doçura, gentileza e os mesmos argumentos sensatos que têm sido sua marca quando lhe fazem qualquer pergunta sobre os caminhos tortuosos dos cronogramas da Copa.

Diante dos questionamentos do jornal norte-americano quanto às insatisfações do COI, Rebelo foi curto e grosso: se tem alguém dizendo que há a mais remota possibilidade de as Olimpíadas mudarem de país e cidade sede, quem diz isso está blefando e não é levado a sério. Brilhante, claro. Só falta combinar com o alto comissariado do Comitê Olímpico, que, até que se prove o contrário, parece mais rigoroso com o jeitinho brasileiro que o povo da Fifa, sempre metido, aqui e ali, com histórias meio nebulosas com cartolas brazucas. E mesmo a Fifa, vale lembrar: não foram poucas as rasteiras verbais já dadas pelo secretário geral Jerôme Walcke aos modos como o Brasil conduziu os preparativos para a Copa. Ontem, ao ler on line a edição do NYT, certamente Rebelo não ficou nem um pouco feliz ao ver que o mundo inteiro acaba de ser informado de que há algo de podre no reino da Guanabara.  
* Malu Fontes é jornalista e professora de jornalismo da Ufba

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