A questão principal neste debate não é a de fazer ou não fazer uma ponte para Itaparica, nem a de ser a favor do desenvolvimento e do progresso ou a favor da preservação e do passado.
O grave é que a idéia de fazer a ponte seja apenas um insight, típico das idéias luminosas dos artistas, sem ter nenhuma base a partir de estudos de cenários, de impactos, nem de medidas reguladoras correspondentes. É bom lembrar que já em 1967, quando da elaboração do plano do Centro Industrial de Aratu, o arquiteto Sérgio Bernardes propôs um traçado de uma futura ponte para Itaparica.
Uma série de questões podem ser levantada:
Qual a prioridade da ponte? Será mais um investimento concentrador na Região Metropolitana em detrimento do interior do Estado? Será em detrimento de investimentos sociais nas quase abandonadas periferias de Salvador (transportes, educação, saúde, segurança, lazer ...)?
Qual a previsão do investimento total? Estão prevendo uma ponte suficientemente alta para
os petroleiros passarem em direção à refinaria da Petrobrás (e as plataformas), ou ela terá
um mecanismo de abertura para passagens dos navios?
Quem assumirá os custos: o governo estadual, o governo federal, a iniciativa privada ou uma combinação desses agentes?
Quais os impactos previstos de uma ponte deste porte nas diferentes escalas: em Salvador, na ilha, no Recôncavo? O que acontecerá com a atual população residente na ilha, em sua maioria formada por famílias de baixos rendimentos. Será expulsa do litoral? Qual o fluxo de migrantes previsto? Como ficará o meio ambiente (ver Avenida Paralela ...). Como ficará a oferta de infra estrutura para a ilha: de onde virá a água? Como será enfrentada a questão do saneamento? Como ficarão os fluxos de transporte, incluindo os de caminhões e ônibus e seu acesso a Salvador? Poderemos ter, como em Lagos, na Nigéria, pontes com engarrafamentos diários.
Que atividades econômicas serão previstas? Será a ilha um “dormitório” para Salvador?
Como ficarão as frágeis finanças municipais? Dependerão de impostos locais e transferências federais?
Como as administrações municipais da ilha serão equipadas para tentar controlar a urbanização futura? Como será controlada ou orientada a especulação imobiliária, se mesmo em Salvador a urbanização é uma combinação de interesses imobiliários e invasões de terrenos, com uma insuficiente atuação estatal?
Quem está pensando e planejando o futuro da Região Metropolitana e do Recôncavo? É necessário diferenciar a elaboração de um projeto executivo de uma ponte de um planejamento de médio de longo prazo para a ilha e o seu entorno.
Essas questões são importantes na medida do recuo atual do planejamento estatal e da participação cidadã, devido, de um lado (apesar da aprovação do Estatuto da Cidade), à ideologia neoliberal, e do outro, da volta de uma visão de “desenvolvimento” progressista, na busca da realização de grandes projetos, o que lembra o período da ditadura militar.
Mas seria bem mais importante, antes, definir a opção por um modelo de urbanização:
continuar com a prioridade ao automóvel em detrimento do transporte público, como em Salvador, prevendo novas avenidas paralelas à Avenida Paralela, sem estudos atualizados dos fluxos? A opção de uma urbanização composta de loteamentos e condomínios fechados desconectados, da verticalização acelerada em determinadas áreas, com a destruição dos prédios residenciais em paralelo a uma imensa periferia precarizada e favelizada?
Finalmente, como não há previsão de mudanças sociais profundas, com a construção da ponte, as “elites” e classes médias deverão se implantar no litoral da ilha e uma nova periferia precária surgirá nos fundos dessa nova urbanização. Itaparica será então a nossa futura Niterói (com seu equivalente São Gonçalo e suas favelas atrás)? Ou um novo Corredor da Vitória ao nascente, como a Boa Viagem recifense (e suas favelas atrás)?
Ou talvez ainda uma nova Amaralina (com seu equivalente Nordeste atrás) ...
Pedro Vasconcellos
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