Fernando Alcoforado*
Os movimentos de massa não refluíram no Brasil mesmo após a decisão dos governos de rever o valor das tarifas de transporte. Este fato demonstra que os movimentos de massa em várias cidades do Brasil querem avançar nas suas reivindicações incorporando objetivos de natureza econômica, política e social. Dos acontecimentos que abalam a nação no momento, pode-se extrair a conclusão de que “os de baixo” na escala social não aceitam mais ser governados como antes e “os de cima” não podem governar mais como sempre governaram no Brasil ao longo de sua história. Nestas circunstâncias, pode-se afirmar que O Brasil vive uma situação pré-revolucionária.
Tudo o que vem acontecendo nos últimos sete dias demonstra que os movimentos de massa estão se transformando em uma revolta popular de difícil superação porque, de um lado, não possui um foco claramente definido quanto aos objetivos a atingir e a estratégia política a desenvolver e, de outro, o governo federal não acena com a realização de mudanças na sua malfadada política econômica e social. Com o tempo, haverá desgaste dos movimentos de massa que não conquistarão maiores vitórias, além do que já conquistou com a redução das tarifas do sistema de transporte e desgaste dos próprios detentores do poder que ficarão sitiados e obrigados a reprimir violentamente os revoltosos.
Os acontecimentos que abalam a nação brasileira no momento demonstram o divórcio profundo que existe entre o Estado e a Sociedade Civil no Brasil. Em um contexto em que os detentores do poder não podem governar como antes e a Sociedade Civil está rebelada não aceitando ser governada como antes, o governo tende a lançar mão de um instrumento de todos os governos que temem a força do povo: a decretação do estado de sítio, inclusive com a instauração do toque de recolher. Na prática, a frágil democracia que existe no Brasil seria profundamente golpeada com a institucionalização da ditadura pelos atuais detentores do poder. Este é o cenário que pode acontecer no curto prazo no Brasil com o governo tentando manter a ordem a todo o custo.
Guardadas as devidas proporções, as revoltas atuais no Brasil se assemelham aos acontecimentos de maio de 1968 que começaram com greves estudantis em Paris seguidas de confrontos com a polícia, enquanto no Brasil a rebelião teve início na luta pela redução das tarifas do sistema de transporte em São Paulo seguida de confrontos com a polícia. A França da década de 1960 era caracterizada por um regime político autoritário personificado na figura do General de Gaulle, enquanto o Brasil contemporâneo é personificado no regime político autoritário personificado na figura da presidente Dilma Roussef.
Muitos historiadores e filósofos consideram a rebelião de maio de 1968 como o acontecimento revolucionário mais importante do século XX porque eclodiu uma insurreição popular que superou barreiras étnicas, culturais, de idade e de classe. A rebelião atual do Brasil é também um acontecimento revolucionário que envolveu amplos setores da população. A tentativa do governo Charles de Gaule de esmagar essas greves com várias ações no Quartier Latin em Paris levou a uma escalada do conflito que culminou em uma greve geral de estudantes e em greves com ocupações de fábricas em toda a França, às quais aderiram dez milhões de trabalhadores,
aproximadamente dois terços dos trabalhadores franceses. No Brasil a tentativa do governo de esmagar o movimento de massa pode não culminar com uma greve geral como ocorreu na França em 1968 porque o movimento sindical foi cooptado e desorganizado desde que Lula assumiu o poder no Brasil.
Os protestos chegaram ao ponto de levar o general de Gaulle a criar um quartel general de operações militares para obstar à insurreição, dissolver a Assembleia Nacional e marcar eleições parlamentares para 23 de junho de 1968. O governo estava em vias de colapso ao ponto do general de Gaulle chegar a se refugiar temporariamente numa base da força aérea na Alemanha, mas a situação revolucionária dissipou-se quase tão rapidamente quanto havia surgido pela falta de um programa político claramente definido e pelo esforço de desmobilização realizado pelo Partido Comunista Francês e pela CGT- Confederação Geral dos Trabalhadores. No Brasil, o governo pode chegar ao colapso que pode levá-lo à decretar o estado de sítio e os movimentos de massa poderão se dissipar com o tempo pelo falta de um programa político claramente definido e
também pela aç o da repressão governamental.
No caso da rebelião de maio de 1968, o pano de fundo deste evento era a primeira crise profunda da economia capitalista desde a Segunda Guerra Mundial. Em 1966 uma recessão abalou a economia mundial. A maioria dos insurretos viam o evento como uma oportunidade para sacudir os valores da "velha sociedade", formulando idéias avançadas sobre a educação e a sexualidade, entre outras bandeiras. O movimento de 1968 também deixou rastros na esfera cultural e na vida social como um todo. Varreu a atmosfera sufocante das décadas de 1950 e 1960, trazendo melhorias importantes nos direitos das mulheres e das minorias. Como resultado da revolta de maio de 1968, Universidades foram expandidas e foram abertas a camadas mais amplas da sociedade. Porém, o domínio capitalista e as relações de propriedade mantiveram-se intactas. A burguesia foi forçada a fazer concessões políticas e sociais, mas manteve-se no poder.
No caso da rebelião atual no Brasil, o pano de fundo deste evento é a economia brasileira em declínio e a desmoralização dos partidos políticos, das lideranças e das instituições políticas cuja característica é a corrupção e a malversação de recursos públicos. A maioria dos insurretos no Brasil buscam com o movimento de massa mudar a situação reinante no Brasil sacudindo os valores da "velha sociedade" apresentando idéias avançadas sobre a educação, saúde, obras de infraestrutura e combate à corrupção, entre outras bandeiras. Como resultado da rebelião no Brasil, o governo poderá adotar três tipos de atitudes: 1) fazer todas as concessões exigidas pelos
movimentos de massa; 2) fazer algumas concessões aos movimentos de massa como já aconteceu com a redução das tarifas de transporte; e, 3) não fazer concessões aos movimentos de massa para não admitir sua derrota política.
A atitude do governo de aceitar todas as concessões só acontecerá se os movimentos de massa demonstrarem força suficiente para dobrar a vontade do governo. Esta atitude dificilmente ocorrerá porque os detentores do poder não farão concessões que comprometam os interesses das classes dominantes, sobretudo do capital financeiro.
Algumas concessões poderão ser feitas desde que não afetem os objetivos do governo e das classes dominantes. Esta atitude é a mais provável que aconteça porque o PT e seus aliados não desejarão ser responsabilizados pelo retrocesso político-institucional que haveria se o governo não fizer concessão alguma aos movimentos sociais. Os próximos dias serão decisivos para saber os rumos que os movimentos de massa tomarão e as atitudes a serem assumidas pelos detentores do poder.
*Fernando Alcoforado, 73, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000),
Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de
Barcelona, http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento
(Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011) e Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), entre outros.
Nenhum comentário:
Postar um comentário