Auditoria reprova contas do PT do ano do mensalão
- Documento alerta que TSE fechou os olhos para irregularidades
- e desprezou caixa dois petista
BRASÍLIA — Depois da condenação de ex-dirigentes do PT, no fim do ano passado, o fantasma do mensalão pode voltar a assombrar o partido. Desta vez, o palco é o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o motivo é um relatório produzido pela auditoria interna da Corte e até hoje não revelado. O documento, ao qual o GLOBO teve acesso, põe em xeque pareceres técnicos do próprio TSE que, em 2010, foram usados para embasar decisão da ministra Cármen Lúcia que aprovou com ressalvas as contas de 2003 do PT. A contabilidade daquele ano do partido é, justamente, a que contém os registros dos notórios empréstimos bancários contraídos junto aos bancos Rural e BMG, e que foram utilizados para esconder o esquema do mensalão.
O relatório da auditoria deixa claro que o TSE não poderia ter chancelado a contabilidade petista de 2003. Isso porque os pareceres não levaram em consideração o que então já era conhecido: que, em 2003, a agremiação se valeu de empréstimos fictícios para justificar suas receitas; e que o próprio Delúbio Soares, ex-tesoureiro da legenda, admitiu que fez uso de caixa dois — o que é proibido por lei.
Além disso, o documento destaca que o PT misturou recursos do Fundo Partidário, que devem ter contabilidade à parte, com receitas de outra ordem, confundindo e dificultando a fiscalização. “Desconsiderar as graves e expressivas irregularidades já apontadas pode levar a Justiça Eleitoral ao erro de atestar que a real movimentação financeira e os dispêndios e recursos aplicados nas campanhas eleitorais pelo PT se resumem ao que consta da contabilidade e dos documentos aqui informados”, diz o relatório dos auditores.
Desde que as contas do partido chegaram ao TSE, em 30 de abril de 2004, a Comissão de Contas Eleitorais e Partidárias (Coepa) analisou o caso seis vezes, e foram emitidos quatro pareceres técnicos conclusivos. Os dois primeiros propunham a desaprovação das contas. Os dois últimos alteraram esse entendimento, sugerindo a aprovação com ressalvas. Com base nesses últimos entendimentos, a ministra Cármen Lúcia, hoje presidente do TSE, assinou, em junho de 2010, despacho aprovando as contas também com ressalvas.
Mesmo assim, o PT não se deu por satisfeito e recorreu da decisão. O processo ainda aguarda julgamento até hoje. Se as contas forem rejeitadas, o partido perde uma fonte milionária de recursos: cotas do Fundo Partidário que, só em 2012, deram à legenda R$ 52,9 milhões. É uma verba importante que, se não chegar à sigla, pode criar dificuldades para o partido justamente num ano eleitoral.
Em novembro de 2010, cinco meses depois da decisão de Cármen Lúcia, suspeitando da conduta de colegas do setor de prestação de contas, auditores do TSE elaboraram o relatório que aponta os problemas dos pareceres técnicos. “A última análise da Coepa foi feita sem levar em conta as manifestações do Ministério Público Eleitoral, da Secretaria de Receita Federal e dos vários ministros relatores que se manifestaram nos autos, mantendo a desaprovação sugerida pela própria Coepa. Pelo quadro acima, pode-se constatar que, após várias diligências, o partido não logrou êxito nas suas explicações. Entretanto, o analista reafirma a sugestão pela aprovação com ressalvas”, diz o relatório da auditoria.
O texto de 2010 faz um alerta: “Não se pode desconsiderar o fato de que existe processo em andamento no Supremo Tribunal Federal para apuração do chamado mensalão, que, dependendo do que lá for decidido, pode colocar em dúvida a segurança na análise das prestações de contas pelo Tribunal Superior Eleitoral”.
No fim de 2012, o Supremo condenou a cúpula petista por corrupção, e considerou fraudulentos os empréstimos registrados em sua contabilidade em 2003.
O relatório dos auditores chegou a ser submetido à direção-geral do TSE na época, mas não foi anexado aos autos do processo sobre o PT. Agora, está anexado à sindicância instaurada, em setembro do ano passado, pela própria ministra Cármen Lúcia, para apurar eventuais responsabilidades de servidores do TSE na análise da prestação de contas de outro partido, o PP.
Segundo a Receita Federal, o PP utilizou notas fiscais frias para justificar gastos de mais de R$ 20 milhões. Os desvios teriam ocorrido entre 2000 e 2005. O setor do TSE que fiscalizava as contas do partido não percebeu as irregularidades e ainda sugeriu a aprovação da contabilidade sem ressalvas — recomendação que foi aceita pelos ministros da Corte.
No caso do PT, o parecer da área técnica que recomendou a aprovação com ressalvas das contas de 2003 preferiu ignorar o processo em curso no Supremo Tribunal Federal (STF) contra os 39 acusados de envolvimento no mensalão. Os técnicos da Coepa argumentaram que um tema que não estava na prestação de contas não poderia ser analisado. Ou seja, no TSE a esfera era meramente de análise de números das contas partidárias e não da conduta criminal investigada no processo do Supremo. Esse entendimento foi exatamente o que o PT apresentou em sua defesa junto ao TSE.
O relatório da auditoria, que contesta essa conclusão, faz um balanço da tramitação do processo sobre as contas de 2003 do PT dentro do TSE, demonstrando que, desde o início, o partido usou os mesmos argumentos para tentar vencer os pareceres técnicos. E chama a atenção para um fato que nem precisaria de observação: cabe ao TSE analisar as contas partidárias e rejeitá-las, caso as agremiações não comprovem gastos que estejam de acordo com a legislação ou tenham maquiado a contabilidade.
Em outro trecho, os auditores destacam que “a Coepa lista como um dos itens para desaprovação das contas justamente a impossibilidade da real comprovação do destino dos recursos do Fundo Partidário, conforme determina a Lei 9096/95, artigo 34, devido à confusão de registros em conta bancária do Fundo e dos outros recursos”.
Mesmo assim, ressalta que o parecer técnico da Coepa fechou os olhos para as irregularidades e menosprezou o caixa dois do PT. “O subscritor do parecer alegou que as informações oriundas da Receita Federal do Brasil não seriam analisadas porque, neste item, não há reflexos na prestação de contas do PT, uma vez que não foram constatados registros na contabilidade do partido, impossibilitando qualquer análise por esta unidade técnica. Ora, na análise feita nos autos encaminhados pela Secretaria da Receita Federal, fica evidente a movimentação financeira paralela às contas partidárias, motivo de não constar da prestação de contas, tanto é que foi suspensa a imunidade tributária e cobrados todos os tributos devidos”, afirma o texto da auditoria.
Há quase um ano, as contas do PT estão paradas no gabinete do ministro José Antônio Dias Toffoli, que se tornou o relator do processo depois que Cármen Lúcia assumiu a presidência do TSE. Toffoli foi advogado do partido.
O TSE informou, por meio de sua assessoria, que o tribunal não tem competência para analisar o que não está nos processos. Por isso, eventual caixa dois praticado por partidos e candidatos deve ser investigado pelo Ministério Público e pela Justiça criminal. O PT foi procurado por meio de sua assessoria de imprensa, mas não quis se manifestar.
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