sexta-feira, 21 de junho de 2013

A VOZ DO BRASIL

Ontem escutava no radio o programa de difusão obrigatória A Voz do Brasil, uma coisa linda! Um conforto saber pela informação oficial do maravilhoso país em que estou vivendo. Noticiaram, entre outra glorias nacionais, um concurso em Fortaleza, CE, para eleger a rua mais bem decorada em celebração à Copa das Confederações. Isto respaldado por anúncios de obras em infraestrutura que estão fazendo do nosso país um exemplo para o mundo, hospitais, escolas, estradas, tudo confirmado, naturalmente, por inúmeros depoimentos da população feliz e reconhecedora do empenho honesto dos seus governantes.
De repente o programa acaba e entra o noticiário não oficial: milhares de pessoas nas ruas em todas as capitais do país e em muitas cidades do interior, manifestando repudio generalizado à desfaçatez com que este mesmo governo, e a classe política, vem tratando a população. Perplexo, no intuito de compreender a situação contraditória, fiz uma revisão dos fatos recentes para entender como a população pode estar contra este governo e a classe política que se diz benfeitora da nação. Para não ficar só nas conjecturas intelectuais fui às passeatas. Lá pude sentir muita coisa... li os cartazes que as pessoas traziam, vi a energia que as mobiliza. Compreendi  que, não só recentemente, mas ao longo dos últimos anos vem se acumulando fatos , uns sobre os outros, que se mostraram uma avalanche de abusos e desprezo à inteligência das pessoas.
Obvio que isto não explica tudo, mas o manto pesado do cinismo que se abateu sobre a vida política do nosso país, certamente catalisou na consciência coletiva algo até então improvável para nossos governantes, as pessoas querem mais que consumo. Valores subjetivos como ética, probidade, honestidade, respeito, compromisso, decência, decoro, dignidade, confiança estão entre aqueles outros tão necessários quanto o alimento, simplesmente porque nos torna humanos. Não foi dito que nem só de pão vive o homem? O desprezo a estes valores, a meu ver, trouxe a percepção de um modelo político apodrecido que não condiz com a propaganda oficial. O aspecto violento das manifestações, embora minoritário, confirma que realmente não estamos no país das maravilhas.
 Abaixo alguns textos de pessoas que estão a anos acompanhando e atuando na cena sócio política do país:

SÉRGIO LUCENA                                                                            20/06/2013-03h30

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Exaustão
BRASÍLIA - Condenados pelo Supremo têm mandato de deputado e, não bastasse, viram membros da Comissão de Constituição e Justiça.
Um pastor de viés racista e homofóbico assume nada mais, nada menos que a presidência da Comissão de Direitos Humanos na Câmara.
Um político que saíra da presidência do Senado pela porta dos fundos volta pela da frente e se instala solenemente na mesma cadeira da qual havia sido destronado.
O arauto da moralidade no Senado nada mais era do que abridor de portas de um bicheiro famoso. E o Ministério Público, terror dos corruptos, é ameaçado pelo Congresso de perder o papel de investigação.
A chefe de gabinete da Presidência em SP usa o cargo e as ligações a seu bel-prazer, enquanto a ex-braço direito da Casa Civil, afastada por suspeita de tráfico de influência, monta uma casa bacana para fazer, possivelmente... tráfico de influência.
Um popular ex-presidente da República viaja em jatos de grandes empreiteiras, intermediando negócios com ditaduras sangrentas e corruptas.
Um ex-ministro demitido não apenas em um, mas em dois governos, tem voz em reuniões estratégicas do ex e da atual presidente, que "aceitaram seu pedido de demissão".
Ministros que foram "faxinados" agora nomeiam novos ministros e até o vice de um governador tucano vira ministro da presidente petista.
Na principal capital do país, incendeiam-se dentistas, mata-se à toa. Na cidade maravilhosa, os estupros são uma rotina macabra.
Enquanto isso, os juros voltam a subir, impostos, tarifas e preços de alimentos estão de amargar. E os serviços continuam péssimos.
É por essas e outras que a irritação popular explode sem líderes, partidos, organicidade. Graças à internet e à exaustão pelo que está aí.
A primeira batalha foi ganha com o recuo dos governos do PT, do PSDB e do PMDB no preço das passagens. Mas, claro, a guerra continua.
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Eliane Cantanhêde, jornalista, é colunista da Página 2 da versão impressa da Folha, onde escreve às terças, quintas, sextas e domingos. É também comentarista do telejornal "Globonews em Pauta" e da Rádio Metrópole da Bahia.
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Vozes sem voto
José Arthur Giannotti
Arruaças de baderneiros, violação das regras democráticas, etc. - é assim que as autoridades começaram classificando as seguidas manifestações contra o aumento das passagens de ônibus. Mas terminaram se dando conta de que o movimento é político, embora ainda o pensem como se fosse luta pela tomada do poder.
Tudo parece indicar que também nós podemos ter uma primavera árabe. Utilizando redes sociais, os jovens concentram suas insatisfações num objeto de protesto, saem às ruas e passam a se confrontar com as autoridades locais. E o movimento se repete e se espalha. Entre nós espanta a rapidez com que se tem multiplicado pelo País afora.
Desde o início era nítido que a insatisfação não se limitava ao aumento do preço das passagens. Os jovens entrevistados na TV terminavam afirmando que, dada a péssima qualidade dos transportes públicos, estes não mereciam aumento nenhum. Daí a impropriedade daqueles que têm se oposto ao movimento recorrendo a argumentos técnicos: o custo do serviço, aumento menor do que a inflação, etc. Os jovens simplesmente estão dizendo que recebem um serviço inadequado e que não encontram canais políticos para exprimir suas insatisfações. Trata-se de uma crise de representação. Se eles estão subordinados ao ritual das eleições periódicas, estas pouco dizem a respeito de sua vida cotidiana. Os manifestantes são vozes sem voto efetivo.
Caem no molhado as autoridades quando proclamam que, estando nós numa democracia, o protesto deveria ser ordeiro e conforme os canais competentes. Esses canais estão viciados. Daí a necessidade de transformar um incidente num evento político. E a manifestação assume esse caráter porque, mesmo deixando de formular palavras de ordem adequadas, as pessoas passam a manifestar suas contrariedades assumindo o risco de apanharem, de serem presas, de se machucarem e até mesmo de morrerem. Igualmente o risco de que baderneiros a elas se juntem, consequência, aliás, da fraca organização política do processo.
O movimento atual é contra a ditadura do discurso feito, destas siglas mortas - PAC, Minha Casa Minha Vida, etc. - executadas sempre aos pedaços. Está morto o projeto lulopetista - essa minha afirmação não nega sua enorme importância histórica. Mas ele se esgotou na repetição esclerosada, na incapacidade de se ajustar às novas situações que ele mesmo, às vezes, propiciou. Diante de uma dificuldade, apenas oferece um novo pedaço do bolo. E no jogo político, soçobrou num acordão em que PT e PMDB trocam favores e flechadas sem que os problemas reais do País sejam enfrentados. A oposição, por sua vez, não tem projeto, a não ser ocupar um lugar privilegiado nessa troca corrompida. A política atualmente praticada se afoga na farsa da repetição.
Nessas situações politicamente mortas, não é raro que o vigor da política efetiva retorne de supetão. Um Jânio Quadros, um Collor de Mello são os exemplos mais recentes. Eles rompem o sistema esclerosado, mas terminam sendo expulsos dele. Este, depois do choque, termina encontrando as vias da renovação conservadora. Note-se que em São Paulo, na última eleição, Celso Russomanno iniciou esse tipo de disparada, mas tropeçou por causa de um erro de cálculo, precisamente no preço dos transportes coletivos. Não é esse o setor em que a insuficiência de planejamento das políticas públicas se faz mais evidente na vida cotidiana?
Os jovens foram para as ruas vociferando contra o beco no qual foram empurrados. Nos últimos tempos este governo quis transformar nossa sociedade num enorme e variado supermercado. Essa modernização transformou as grandes cidades num inferno e o aparelho de Estado no lugar de troca de favores. Os jovens já têm demonstrado suas opções por outras formas de vida, o que demanda novas formas de politização. Pouco lhes interessa o ritual das eleições em que se diz o que todo o mundo já está cansado de dizer.
Cada vez mais se toma consciência entre nós de que o Estado suga parte importante do produto nacional bruto, sem que devolva os serviços prometidos e necessários a um bem-estar razoável. E os jovens se defrontam de imediato com a farsa em que se transformou a educação nacional, obviamente com raras e nobilíssimas exceções. Diante do problema mais urgente, pleiteiam mais verbas sem se dar conta da podridão do sistema. Mais do que verbas, é urgente uma completa revisão das instituições educativas vigentes. A começar pela reeducação dos educadores, que, na maioria das vezes, ignoram o que estão a ensinar. Até há pouco tempo eu me mortificava com este viés do educador se transformar num sacerdote do saber revolucionário, vendo-se sobretudo como um militante de ideias vindouras. Mais do que emancipar, porém, o educador de hoje, quando vem a ser intelectual, precisa deixar florescer. Será ele capaz disso? Mas me parece é que estamos entrando na fase do intelectual minguante.
É sabido que movimentos sociais não se transformam diretamente em movimentos políticos. Aqui, em São Paulo, o estopim da revolta pode ser removido se os novos custos do transporte coletivo forem cobertos pelas empresas que muito têm lucrado com a falta de um planejamento global. Mas isso apenas adormecerá o movimento. Até agora não surgiu nenhum demagogo capaz de fazer a ponte entre ele e a política. Por sua vez, seria um milagre se o governo federal se renovasse por inteiro, fazendo ampla reforma ministerial e administrativa, abandonando os paliativos e iniciando um programa radical de combate à inflação. Mas que não invente de fazer agora uma reforma política, porquanto os quadros que estão no poder só podem restringir os direitos democráticos. Caberia esperar, então, que alguns congressistas sejam capazes de construir uma frente superpartidária com uma agenda precisa atacando os pontos nevrálgicos da crise? Às vezes, vale esperar um milagre.
* JOSÉ ARTHUR GIANNOTTI É PROFESSOR EMÉRITO DE FILOSOFIA DA USP.
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Coluna de Elio Gaspari
Folha de S.Paulo, quarta-feira 19 de junho de 2013, Pag. A8 PODER
Em dezembro de 1974, a oposição havia derrotado a ditadura nas urnas, elegendo 16 dos 21 senadores, e o ex-presidente Juscelino Kubitschek estava num almoço quando lhe perguntaram o que acontecia no Brasil.
- O que vai acontecer, não sei. Soltaram o monstro. Ele está em todos os lugares.
Abaixou-se, como se procurasse alguma coisa embaixo da mesa e prosseguiu:
- Ele está em todos os lugares, aqui, ali, onde você imaginar.
- Que monstro?
- A opinião pública.
Dois anos depois JK morreu num acidente de automóvel e o monstro levou-o no ombros ao avião que o levaria a Brasília. Lá ocorreu a maior manifestação popular desde a deposição de João Goulart.
Em 1984 o general Ernesto Geisel estava diante de uma fotografia da multidão que fora à Candelária para o comício das Diretas Já.
- Eu me rendo --disse o ex-presidente, adversário até a morte de eleições diretas em qualquer país, em qualquer época.
Demorou uma década, mas o monstro prevaleceu. O oposicionista Tancredo Neves foi eleito pelo Colégio Eleitoral e a ditadura finou-se.
O monstro voltou. O mesmo que pôs Fernando Collor para fora do Planalto.
No melhor momento de seu magnífico "Pós Guerra", o historiador Tony Judt escreveu que "os anos 60 foram a grande Era da Teoria". Havia teóricos de tudo e teorias para qualquer coisa. É natural que junho de 2013 desencadeie uma produção de teorias para explicar o que está acontecendo. Jogo jogado. Contudo, seria útil recapitular o que já aconteceu. Afinal, o que aconteceu, aconteceu, e o que está acontecendo, não se pode saber o que seja.
Aqui vão sete coisas que aconteceram nos últimos dez dias:
1) O prefeito Fernando Haddad e o governador Geraldo Alckmin subiram as tarifas e foram para Paris, avisando que não conversariam nem com os manifestantes. Mudaram de ideia.
2) Geraldo Alckmin defendeu a ação da polícia na manifestação de quinta-feira passada. Mudou de ideia e pacificou sua PM.
3) O comandante da PM disse que sua tropa de choque só atirou quando foi apedrejada. Quem estava na esquina da rua da Consolação com a Maria Antônia não viu isso.
4) Dilma Rousseff foi vaiada num estádio onde a meia-entrada custou R$ 28,50 (nove passagens de ônibus a R$ 3,20).
5) O cartola Joseph Blatter, presidente da Fifa, mandarim de uma instituição metida em ladroeiras, achou que podia dar lição de moral aos nativos. (A Viúva gastará mais de R$ 7 bilhões nessa prioridade. Só no Maracanã, torraram R$ 1,2 bilhão.)
6) A repórter Fernanda Odilla revelou que o Itamaraty achou pequena a suíte de 81 m² do hotel Beverly Hills de Durban, na África do Sul, e hospedou a doutora Dilma no Hilton. (Por determinação do Planalto, essas informações tornaram-se reservadas e, a partir de agora, só serão divulgadas em 2015.)
7) A cabala para diluir as penas dadas aos mensaleiros que correm o risco de serem mandados para o presídio do Tremembé vai bem, obrigado. O ministro Dias Toffoli, do STF, disse que os recursos dos réus poderão demorar dois anos para ir a julgamento.
Para completar uma lista de dez, cada um pode acrescentar mais três, ao seu gosto.

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Estado de São Paulo 21 06 2013


Fernando Gabeira




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