Depoimento: “Dou pra qualquer homem que saiba usar a crase”
“Meu nome é P. e tenho 39 anos. Gostaria de estar casada, ter ao menos dois filhos e uma vida pacata. Mas nasci com um vício: tesão em homem que sabe usar a língua. A Língua Portuguesa. Desde pequena, na escola, eu deixava de lado os amigos bonitos e me esfregava nos colegas cheios de espinhas que sabiam conjugar corretamente os verbos irregulares. Meu primeiro orgasmo foi quando C., no primeiro ano do ensino médio, naquela época segundo grau, conjugou corretamente o mais-que-perfeito do verbo ser. Impecável. Irresistível.
O problema é que nunca coincidia de um rapaz que sabia Português gostar de mim. Acabei namorando F. por muito tempo. Ele ao menos falava direito. Mas, na hora de escrever, sempre esquecia o acento diferencial do têm e do vêm no plural. Isso me corroía por dentro. Acabei traindo F. que era um deus grego, com o magrelo e vesgo G., que jamais escrevia assistir, no sentido de ver, sem usar a preposição após o verbo. F. Descobriu e meu deu um pé na bunda. Um pé na bunda sem hífen, vejam bem! Ele não era mesmo pra mim!
A mudança ortográfica mexeu com meu coração. Eu já não conseguia mais entender como funcionava o meu desejo. Não sabia se me sentia atraída por quem escrevia vôo ou voo. Tentei me controlar. Fui ao psicólogo. Mas saí porque ele falava “seje” e “resistro”. Como me tratar ali?
Há um ano, eu estava casada com A. Um homem bom, elegante, inteligente, que fazia tudo por mim. Eu estava muito feliz, pensando em ter filhos, mas um dia ele me escreveu uma carta, que começava assim: “Nos conhecemos a dois anos e eu…”. A grafia incorreta do verbo haver me deixou frígida por algum tempo até que conheci Z, um colega novo da repartição. Já na primeira semana, pegou um recado pra mim quando eu estava no banheiro. No papel, estava escrito: “Tua mãe telefonou e pediu que tu leves o documento à loja de tua tia”. Diante da perfeição da concordância da segunda pessoa do singular e, principalmente, da crase bem colocada, me apaixonei perdidamente por ele e larguei A.
Mas, infelizmente, Z. não gosta de mim. Está noivo da recepcionista do segundo andar, que tem longas pernas, seios enormes e diz “a gente almoçamos”.
Que destino cruel o meu!”
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